De forma sensível e inteligente, o músico e compositor Guilherme Arantes, na música Planeta Água, em 1981, nos alertava a sobre a importância da água como um recurso vital e um chamado à consciência ambiental em relação aos recursos hídricos.
Realmente, a água é um nutriente essencial necessário para a vida. A água é a principal constituinte das células, tecidos e órgãos e representa 50-70% do peso corporal de um adulto jovem. As diretrizes atuais recomendam que adultos sedentários bebam em média 2 litros de água diariamente, uma vez que o funcionamento ideal dos sistemas do corpo humano, incluindo nosso cérebro, requer um nível suficiente de hidratação.
Sem pormenorizar, a melhor fonte de água é, surpreendentemente, a própria água! O Brasil é privilegiado, pois em nosso país estão 11,6% de toda a água doce do planeta. Catastroficamente, a má qualidade dessa água apresenta graves implicações para a saúde da nossa população, inclusive para nosso cérebro. As consequências adversas dos contaminantes ambientais presentes na água potável estão associadas ao declínio das funções cerebrais e ao possível surgimento de doenças neuropsiquiátricas.
De fato, os produtos químicos que chegam ao abastecimento de água residencial provenientes dos processos industriais, principalmente os sais inorgânicos e compostos orgânicos, representam riscos para a saúde e impactos neurológicos avassaladores.
Em estudos animais, a incidência de tumores cerebrais aumentou com a presença de acrilamida na água potável, uma tendência similar apresentada em estudos realizados com seres humanos. Além do mais, casos de intoxicação têm sido observados após o consumo de água de canos ou poços recentemente rebocados (reboco preparado com acrilamida).
Dessa forma, foram observados efeitos neurotóxicos graves nesses indivíduos, incluindo ataxia (dificuldade ou incapacidade em manter a coordenação motora), alucinações (indivíduo tem convicção de que está vendo, sentindo e/ou ouvindo coisas) e distúrbios de memória. Além disso, o escoamento de materiais aplicados às culturas agrícolas (ex., resíduos de agrotóxicos) geralmente escoam para as fontes de abastecimento de água e trazem graves impactos à saúde cerebral.
Assim, tem sido demonstrado que alguns tipos de agrotóxicos (ex., carbamatos, organoclorados e organofosforados) podem causar sérios danos ao cérebro, sendo considerados potentes fatores de risco para o surgimento de doenças neurodegenerativas.
Ademais, a exposição dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais (populações do campo, da floresta e das águas) aos agrotóxicos potencializa o surgimento de casos de ansiedade e depressão, podendo levar, em última instância, à ideação suicida ou ao ato em si. Ironicamente, outra ameaça à qualidade dos reservatórios de água está relacionada aos procedimentos destinados a melhorar a potabilidade da água. A alumina, material prejudicial para clareamento e precipitação de matéria orgânica, pode aumentar o teor de alumínio na água.
Nesse sentido, evidências epidemiológicas demonstram que os níveis de alumínio na água potável estão relacionados à incidência da Doença de Alzheimer (DA), e que os pacientes com DA apresentam acúmulo excessivo de alumínio no tecido cerebral.
Paralelamente, a exposição crônica a metais tóxicos presentes na água potável (ex. arsênio, chumbo e cadmio) resulta em alterações cognitivas e redução das funções sensoriais e motoras. Outro aspecto importante é a contaminação das águas por resíduos de medicamentos. De fato, estudos recentes têm demonstrado que a presença de resíduos de medicamentos no meio ambiente (ex., alimentos e água para o consumo) são capazes de causar efeitos adversos no desenvolvimento cerebral, tornando-se um sério risco à saúde e à vida das gerações atuais e futuras.
Em linhas gerais, o consumo ou ingestão de água contaminada é um sério problema de saúde pública. Até quando iremos ignorar a resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada em 28 de julho de 2010, declarando que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico é um direito humano fundamental?
Fulvio Alexandre Scorza é neurocientista, professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, consultor científico da Unidade de Neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Texto originalmente publicado na Revista Forum.
Por FULVIO ALEXANDRE SCORZA, neurocientista, professor do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Escola Paulista de Medicina da UNIFESP, consultor científico da Unidade de Neurocirurgia da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
25.09.2024 11H | Revista Forum