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Jorge Claudemiro – A origem histórica da regressividade dos tributos no Brasil

Do século XVI ao XXI: do confisco tributário português à tributação regressiva estrutural contemporânea

Este texto pretende fazer um breve resumo do confisco histórico implantado na experiência da colonização portuguesa no Brasil, de 1500-1889, como também fazer uma análise da estrutura tributária a partir Proclamação da República, para identificar as variáveis que compõem esse fenômeno da tributação regressiva, quem ganha e perde na sociedade com esse sistema de tributação. É importante contextualizar que as colonizações foram parte de um projeto político das metrópoles europeias de formação do Estado Moderno, com sua presença em vários continentes, através da expansão marítima, carregando consigo o sistema econômico mercantilista.

Cabe ressaltar que no período do Brasil colônia, que se estende do século XVI ao XIX, de expropriação das riquezas e confisco de tributação, registraram-se por partes dos colonizadores portugueses inúmeras lutas e rebeliões, antes da transferência da corte portuguesa em 1808 para o Brasil, fugindo da ameaça invasão a Portugal por parte de Napoleão Bonaparte: Revolta da Cachaça, Motins do Maneta, Revolta de Felipe dos Santos, Inconfidência Mineira, Revolução Pernambucana, Confederação do Equador, Guerra dos Mercenários, Noite das Garrafadas, Cabanada, Federação dos Guanaís, Cabanagem, Revolta do Malês, Guerra dos Farrapos, Sabinada, Balaiada e Insurreição Praieira.

A transição da colônia para o Estado Monárquico impôs a transferência de parte significativa do aparelho estatal da Metrópole, que impõs a criação de um grande conjunto de novas instituições para viabilizar o governo das possessões a partir do Rio de Janeiro e consequentemente aumento de despesas e criação de novos impostos. Cabe observar que é no período de 1809 a 1850 que se dá a extinção do tráfico de escravos, que era uma grande fonte de receita. De importante neste primeiro reinado ressalta-se a criação em 1808 do Erário Régio, como órgão superior, a qual estava subordinada as juntas administrativas da Fazenda nas Províncias e suas Estações arrecadadoras.

A Constituição de 1824, que era bastante centralizadora, estabelece no seu artigo 72 um Conselho Geral em cada Província, porém sem conferir a este Conselho competência para legislar sobre medidas fiscais cuja atribuição cabia privativamente à Câmara dos Deputados, mantendo dessa forma as Províncias afastadas da discussão sobre legislações fiscais. Também é instituído a primeira Lei de Orçamento, em 14 de novembro de 1827, que embora se referisse apenas ao Tesouro Público na Corte e Província do Rio de Janeiro, traça novas normas sobre receitas e despesas das Províncias. O Ato Adicional de 1834, alterando a Constituição, pela Lei nº 16, de 12.08.1834, possibilitou a descentralização de parte do poder para as Províncias, notadamente mediante a substituição dos Conselhos Gerais, que estabeleciam a receita e despesas provinciais, pelas Assembleias Provinciais. Era um sistema fiscal que não se orientava por contemplar o retorno em benefícios da população, e sim às necessidades imediatas da Coroa Portuguesa e sua manutenção na colônia.

É na Regência e Segundo Reinado que o governo imperial ao constatar a inoperância do aparato fiscal do Brasil recém-independente decide implantar a reorganização fazendária através da Lei de 4 de outubro de 1831, que cria o Tribunal do Tesouro público Nacional, como órgão Central, e as Tesourarias das Províncias, como órgãos descentralizados. Assim inicia-se o processo de unificação e articulação das repartições fazendárias e a extinção do Erário Real (Tesouro Público) e o Conselho de Fazenda. Posteriormente, em 1834, em Ato Adicional é definido o aumento da autonomia das Províncias e são definidas as competências das Assembleias sobre a estipulação das despesas municipais e provinciais e os impostos que eram necessários para cada província, desde que não prejudicassem as imposições gerais do Estado, não legislando sobre o imposto de Importação, que era a maior receita do governo central e motivo de muitas discussões entre este e as Províncias.

Nesse contexto a participação do Brasil na guerra do Paraguai (1865-1870) propiciou majoração, criação e abolição de tributos, sendo o imposto de indústria e profissões, que se estende a toda pessoa, nacional ou estrangeira, que exercesse qualquer ofício no País, o embrião do atual IMPOSTO DE RENDA.

Após a primeira República, no século XX, o arcabouço tributário fiscal passou por diversas transformações em função de perdas de suas maiores receitas orçamentárias com exportações e importações, advindas de vários eventos políticos e econômicos neste período, tanto no cenário internacional, como no doméstico, que vai influenciar para um reordenamento tributário, nas três esferas de poder, sobre o nível da competência para legislar, divisão do bolo fiscal, mudança da base de tributação para o consumo, maior controle da receita, em função da maior receita orçamentária perdida com o comércio internacional. Assim, é que da República, passando pela era Vargas, até o golpe militar de 1964, tivemos os seguintes eventos impactantes para essa transformação: 1ª guerra mundial, crise econômica de 1929, golpe de Getúlio Vargas, acabando com a política de café com leita, depressão de 1929, modelo de substituição de importações, processo de industrialização, 2ª guerra mundial e urbanização das grandes metrópoles.

Com o golpe militar de 1964, foi outorgada uma nova Carta Magna em janeiro de 1967, consubstanciando princípios do regime militar. Neste contexto de autoritarismo, a política tributária passa por profundas modificações. A reforma tributária estabelecida pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, tem como características principais:

1) Procurar estabelecer um sistema tributário nacional;

2) Discriminar os impostos com referência às suas bases econômicas;

3) Alterar normas de alguns impostos: o imposto de indústria e profissões passa a ser imposto sobre serviços (ISS); imposto sobre consumo que foi substituído pelo imposto sobre produtos industrializados (IPI); o imposto de Vendas e Consignações, substituído pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM);

4) Suprimir alguns impostos do Sistema tributário;

5) Concentrar impostos na competência da União;

6) Estabelecer nova discriminação de rendas tributárias;

7) Alterar a regra de distribuição de arrecadação.

Ademais, a criação do CTN por meio da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, dispondo sobre o Sistema Tributário Nacional e normas gerais de direito aplicáveis à União, Estados e Munícipios, que sofreu efetivas modificações ao longo da década de 70, prova a preocupação do Governo central em controlar e centralizar o poder fiscal na União sobre os seguintes aspectos:

1) Combate à guerra fiscal entre Estados e Munícipios;

2) Racionalização dos tributos e melhor conceituação das suas espécies (imposto, taxa, contribuição de melhoria);

3) Criação de mecanismos de compensação (transferências de rendas tributárias);

4) Possibilidade de o sistema tributário ser utilizado como instrumento de política econômica.

Também significativa é a criação da Secretaria da Receita Federal em 1968, em substituição a antiga Direção Geral da Fazenda Nacional, como órgão de controle das obrigações tributárias.

Em 1988, com o fim da ditadura, foi implantada a Constituição cidadã, com um novo reordenamento tributário, com adequação do Código Tributário Nacional à nova realidade democrática do País, que a partir de 1º de março de 1989, representava um novo pacto federativo, com mais autonomia aos Estados e Munícipios, abolindo o centralismo implantado pela Emenda nº 18, de 1965.

O Deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, fez um discurso no dia 27 de julho de 1988 em resposta às críticas ao projeto de Constituição, que o então Presidente da República, José Sarney, havia feito no dia anterior, em cadeia nacional de rádio e televisão. Em um de seus trechos diz o constituinte: “Nossa geografia é violentada pela concentração nacional de rendas e de competência. Nossa geografia é nacional e local, com munícipios maiores que muitos países. As urnas dão votos para os governadores e prefeitos administrarem. Mas só a autêntica federação dá o dinheiro para tais governos dêem respostas às necessidades locais. Federação e Governo junto com o homem, não o homem correndo atrás do Governo estadual ou de Brasília, frequentemente longínquo e indiferente. Esta alforria, do homem e de seus governantes, foi decretada pela transferência de 47 por cento dos recursos de União para os estados e munícipios, 21,05 por cento àqueles e 22,05 por cento para estes. Se não tivéssemos feito mais nada, só com isso teremos feito muito”.

Faço questão de registrar antes de entrar no tema da regressividade tributária, um texto que o Deputado Ulysses Guimarães havia redigido para ser o prefácio à nova Carta Magna intitulada “A Constituição Coragem”, que posteriormente foi excluído da Constituição editada oficialmente pelo Senado Federal. Porém, em razão do conteúdo histórico e da significativa mensagem que contém, passo a reproduzir:

“O homem é problemas da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania”. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente de sete Constituições anteriores, começa com o homem geograficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança, é a Constituição cidadã. Cidadão é o que ganha, come, mora, sabe, pode se curar. A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as Instituições e convulsionam a sociedade. Por isso mobiliza, entre outras novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo executivo e o Legislativo. Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competência para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade concentrada em um, possibilita a governabilidade de muitos. É a Constituição coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, viu, destroçou tabus, tomou o partido dos que só se salvam pela Lei. A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo à dignidade, a liberdade e a justiça.

A questão em registrar esses fatos ligados às boas intenções acentuadas pelo Deputado Ulysses Guimaraens em seu discurso sobre a Constituição Cidadã de 1988 e no seu prefácio acima, é para que se reflita que, passados 30 anos da mesma, em pleno século XXI, o Brasil continua um País com um modelo de tributação regressiva, concentrador e estruturalmente racista.

Mas, o “OVO DA SERPENTE” é uma semente plantada no capítulo histórico em que se desenrola a ditadura militar e a Constituição de janeiro de 1967, como também a reforma tributária estabelecida pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, com primeiro código tributário brasileiro (CTN), em que se opta por cobrar de maneira mais significativa o consumo e a riqueza adquirida. O Ministro da Economia da época, o Sr. Delfin Neto, costumava dizer “O BOLO TEM QUE CRESCER, PARA DEPOIS DIVIDIR”. Em 2020, podemos constatar que esse bolo foi dividido para alguns privilegiados da sociedade, porque a maioria (negros, pardos e pobres) continua vivendo em situação de vulnerabilidade econômica e social.

Entre o ano de 2012 e 2016, enquanto a população brasileira cresceu 3,4 %, chegando a 205,5 milhões, o número dos que se declaravam brancos teve uma redução de 1,8%, totalizando 90,9 milhões. Já o número de pardos autodeclarados cresceu 6,6% e o de pretos 14,9%, chegando a 95,9 milhões e 16,8% milhões, respectivamente (IBGE). A pesquisa do IBGE mostra que, entre 2012 e 2016 a participação percentual dos brancos na população do país caiu de 46,6% para 44,2%, enquanto a participação dos pardos aumentou de 45,3% para 46,7% e a dos pretos, de 7,4% para 8,2%. Há marcantes diferenças regionais na distribuição da população por cor ou raça, o que pode ser explicado pelo processo de ocupação do território. No Sul, 76,8% da população se declarou branca, 18,7% parda e apenas 3,8% preta. Por outro lado, na região Norte, 72,3% da população se declarou parda, 19,5% branca e 7,0% preta. E no Nordeste, 74,6% se declararam pardas e pretas.

Entre os 10% mais pobres da população 68,06% são negros e 31,94% brancos: 45,66 são homens e 54,34%, mulheres. Já entre os 10% mais ricos, que pagam menos impostos proporcionalmente à renda, há 83,72% de brancos e 16,28% de negros. Nessa categoria, 62,05% são homens e 31,05%, mulheres.

A preponderância na estrutura tributária brasileira sobre aos impostos indiretos (ICMS, IPI, PIS/PASEP, COFINS e ISS), que incide em quaisquer produtos, bens ou serviços, inclusive na alimentação e outras demanda básicas da população, caracteriza, portanto, um alto grau de regressividade fiscal.

É fato que, a preponderância da tributação indireta na carga fiscal, bem como a incipiente ou tímida progressividade na tributação sobre os impostos diretos (IRPF, IPTU, IPVA, ITR, ITBI e outros), resulta num sistema tributário regressivo como um todo, provocando profunda desigualdade social no país, concentração de renda e desigualdades regionais.

Portanto, o financiamento do Estado brasileiro revela um caráter de regressividade tributária, posto que arrecada tributos em grande parte de impostos indiretos que afetam mais relativamente os contribuintes com menor capacidade contribuitiva, que conforme dados apontados acima se trata dos negros, pardos e pobres, que vivem majoritariamente nas regiões Norte e Nordeste, que são as mais pobres deste Brasil.
É fato, que a Constituição de 1988, possibilita um sistema tributário mais progressivo, que tribute diferentemente e de forma crescente as diferentes faixas de renda (progressividade) e bens supérfluos (seletividade), viabilizaria maior distribuição de renda e da riqueza, além de representar maior justiça social e contribuir para o desenvolvimento econômico.

Concluo este artigo apontando que após 350 anos de escravidão, em que a estrutura fiscal incidia diretamente sobre os exploradores portugueses, mais indiretamente sobre os escravizados, os beneficiados eram a nobreza imperial portuguesa e sua corte de nobres, mais ainda em pleno século XXI, sendo ainda a maioria da população brasileira constituída por negros e pardos, continuam vivendo nas senzalas do mundo contemporâneo (guetos, favelas, bairros, barracos da cidade, em lugares insalubres, sem água, saúde e esgotamento sanitários), sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania (isso era o prefácio da constituição cidadã), sendo os beneficiados dessa estrutura tributária racista, as mesmas elites representativas do poder econômico e político, na República, os militares junto com os representantes dos latifundiários produtores de café de São Paulo e Minas Gerais, em 1964, novamente os militares, a elite empresarial, agroindustrial, a igreja, representantes industriais e os representantes dos meios de comunicação.

*Jorge Claudemiro é auditor fiscal e diretor de Aposentados e Pensionistas do Sindsefaz

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