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Paulo Dantas – É viável usar as reservas internacionais?

Os quase 400 bilhões de dólares acumulados pelo Brasil são uma barreira contra ataques especulativos

Tem sido recorrente a apresentação de opinativos por aqueles que defendem a internalização de parte do atual volume das reservas internacionais ou cambiais brasileiras.

A medida visaria solução de problemas domésticos oriundos da evidente insuficiência de poupança interna do setor público para destinação de recursos, principalmente para investimentos, incluídas ainda outras propostas como o uso dos recursos para a compra de parte da dívida interna e até como “solução” para o déficit público.

Em primeiro lugar, é necessário destacar como se forma esse volume de recursos internacionais. Elementarmente, apenas a título de exemplo, pode-se partir da hipótese de que determinado país, sem nenhuma experiência econômica com o resto do mundo, nem comercial nem financeira, vislumbre a oportunidade de exportar o excedente da sua valiosa produção mineral.

Ele então vende para o exterior, em pouco tempo, 10 milhões de dólares, que ingressam no país-exemplo mediante a transformação da moeda estrangeira em moeda nacional por um dos integrantes da rede bancária autorizado a realizar operações de câmbio.

Na sequência, credita a moeda nacional em favor do exportador. A partir disso, observados os limites que cada banco tem para a manutenção de moedas estrangeiras em suas posições, os dólares são repassados ao Banco Central do país-exemplo, passando a integrar as reservas cambiais.

É isso. Os que pretendem o uso das reservas cambiais brasileiras adotariam o reingresso daqueles 10 milhões de dólares do país-exemplo, com as deformações adiante expostas.

Diferentemente do caso do país-exemplo, numa economia como a brasileira, as relações econômicas internacionais não se restringem apenas ao comércio de bens e serviços, mas muito mais intensamente ao fluxo financeiro decorrente, especialmente, dos investimentos, tanto os que são realizados aqui no Brasil por residentes no exterior, como os que são realizados em outros países por residentes no Brasil.

A questão essencial reside no fato de se pretender dar um uso para parte dos 382,6 bilhões registrados como reservas cambiais brasileiras em 31 de maio (dado disponível em www.bcb.gov.br).

É tentador. Alguns afirmam que haveria um ponto ótimo para aquele saldo e que não necessitaríamos de um volume tão alto. A realidade é que o saldo das reservas é resultado da diferença entre entradas e saídas de moedas estrangeiras no Brasil, ou, de outra forma, representa as entradas líquidas.
O ponto fundamental a se destacar é que, se os recursos ingressaram no Brasil, é inapropriado fazê-los ingressar novamente, gerando, na ótica interna, um duplo impacto de natureza monetária (sem nenhuma ortodoxia), e, do ponto de vista externo, uma deformada “reciclagem de dólares”.

Há ainda a considerar que esse movimento se origina do que poderia ser chamado de vazio econômico, pois nada aconteceu do ponto de vista do mundo real da economia, nada foi produzido, circulou ou foi comercializado de bens e serviços.
Além disso, é necessário destacar que o saldo das reservas não está isolado num mundo à parte. Ele integra a Posição de Investimento Internacional elaborada pelo BC (também disponível em www.bcb.gov.br), onde é possível constatar que em dezembro do ano passado o ativo totalizava 861,6 bilhões (incluídos 373,9 bilhões de reservas), contra um passivo de 1,5 trilhão, com destaques para o investimento direto no País e investimentos em carteira (778,3 bilhões + 552,7 bilhões), o que resulta numa posição deficitária de 688,5 bilhões.

Embora não se vislumbre a possibilidade de que aquela posição deficitária seja em algum momento exigida pelos credores externos, especialmente por parte daqueles que aqui aportaram volumosos recursos sob a forma de investimentos, a realidade é que as reservas cambiais servem, dentre outras tantas finalidades, para mostrar ao mundo a estabilidade da economia brasileira para fazer face ao seu passivo externo, além de se constituir num atrativo para novos aportes por parte de investidores internacionais.

É fato que não são muitas as opções para o melhor aproveitamento das reservas, restando basicamente a alocação em títulos do tesouro dos Estados Unidos da América, que rendem menos do que o custo da dívida interna gerada quando do ingresso do recurso e a concomitante emissão de títulos nacionais para readequação da oferta monetária.

Nesse contexto, é possível presumir que os maiores detentores de reservas internacionais (China, com mais de 3 trilhões de dólares, e Arábia Saudita, próxima dos 2 trilhões) não disponham de tantas outras alternativas.

O que conforta é a certeza de que as operações da espécie, aquelas envolvendo títulos emitidos pelo tesouro americano, quando examinadas à luz dos fatores determinantes da qualidade das aplicações – garantia, liquidez e rentabilidade -, ao menos no tocante aos dois primeiros, indicam o melhor conceito.

Dados primários (grosso modo) indicam que tanto Brasil quanto China e Arábia Saudita têm em torno de dois terços das suas reservas cambiais lastreadas em títulos norte-americanos. O restante, boa parte em títulos de outros países de alta credibilidade e nos organismos ou bancos internacionais, a exemplo do FMI e do Banco de Compensações Internacionais.

A conclusão é de que as operações a envolver as reservas cambiais deveriam ficar restritas àquelas que guardam efetivas repercussões internacionais, incluídas as que são realizadas pelo BC, mesmo que excepcionalmente, na gestão e controle internos do câmbio, em especial no tocante à cotação do dólar norte-americano, que envolve os leilões de linha e as vendas diretas de moedas estrangeiras.

Cabe destacar o swap cambial como uma alternativa mais adequada para aquela finalidade (a gestão do câmbio), pois a realização não resulta na entrega ou recebimento de divisas, sem repercussão, portanto, nas reservas cambiais.

*Paulo Dantas é Auditor Fiscal da Sefaz-BA e ex-presidente do Conselho Federal de Economia

Obs.: Este artigo foi publicado também na revista Carta Capital

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