Túnel no fim da luz
Nas negociações com a União Europeia, o entreguismo e o vira-latismo nacional ganham contornos preocupantes
Por Paulo Nogeuira Batista Júnior
Nunca o partido de Joaquim Silvério dos Reis esteve tão presente e atuante em Brasília. Nem no período FHC – e isso é dizer muito, leitor. O quadro é alarmante. O que temos hoje é uma mistura rara, mesmo para os padrões do vira-latismo nacional, de subserviência, entreguismo e corrupção. Os lances bisonhos multiplicam-se vertiginosamente.
Faltam menos de seis meses para o fim do governo Temer. Estamos contando! Em diversas frentes ocorrem decisões e negociações problemáticas que ameaçam interesses nacionais estratégicos. Hoje vou escrever um pouco sobre uma delas: a negociação de um acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
Mais uma rodada de negociações foi confirmada para Bruxelas entre 9 e 13 julho. No fim de junho, em Colônia, por ocasião do Encontro Econômico Brasil-Alemanha, um representante do governo brasileiro fez um apelo enfático, tangenciando o patético, para que o acordo fosse concluído rapidamente.
Em seu discurso, proclamou que é hora de “pensar grande” e que a conclusão do acordo nunca esteve tão próxima. Ora, quando uma das partes se mostra tão ansiosa em fechar negócio, já se sabe o que tende a acontecer.
Os europeus estão aguardando mais concessões do Mercosul. Segundo se noticia, o padrão tem sido o seguinte: a cada rodada, o Mercosul faz novas concessões, enquanto a União Europeia coloca pouco ou nada na mesa. Já no início deste ano, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, deu a seguinte declaração sintomática: “O Mercosul entregou tudo e custou caro para nós essa entrega. Sinceramente, não temos mais nada a entregar”. Repare, leitor, na escolha das palavras…
Não se sabe exatamente o que está sendo negociado, pois os entendimentos vêm ocorrendo em sigilo, sem nenhuma transparência. Pelos vazamentos e informações disponíveis, é muito provável que um acordo, se concluído pelo atual governo, venha a ser lesivo para o Brasil.
Não se deve perder de vista que esses acordos de “livre-comércio” patrocinados pelos países desenvolvidos envolvem muito mais do que a liberalização do comércio de mercadorias. Incluem temas como serviços, investimentos, patentes, marcas, propriedade intelectual, compras governamentais, regimes de licitação e até mecanismos para a solução de controvérsias entre investidores e Estados.
Embora não se conheça com precisão o alcance do acordo com a União Europeia, as indicações são de que vários desses temas estão contemplados, com o potencial de criar entraves para a definição autônoma das políticas nacionais.
Por outro lado, os europeus (liderados, neste ponto, pelos franceses) não se dispõem a fazer ofertas expressivas no comércio agropecuário, que é área de interesse estratégico do Mercosul. Querem conservar níveis elevados de proteção para seus produtores agrícolas. Livre-comércio…
Com governos enfraquecidos no Brasil e na Argentina, qualquer acordo tende a sair muito desfavorável a nós, com reduções de tarifas industriais, concessões em áreas como serviços, propriedade intelectual, marcas e compras governamentais, mas sem a contrapartida de aumento significativo do acesso a mercados europeus de produtos agropecuários.
O problema transcende as relações com a União Europeia. Fechar um acordo desfavorável com os europeus levaria a que outros países desenvolvidos pleiteassem acordos semelhantes, o que reduziria progressivamente a autonomia e a margem de manobra das políticas públicas no Brasil. Assim como na atabalhoada tentativa de aderir à OCDE, a postura do governo Temer é típica da mentalidade da elite tupiniquim.
Busca resultados simbólicos (acordos com países importantes como sinal de “prestígio”) em troca de concessões substantivas e até ruinosas. É a reprodução atávica das relações entre os índios e os portugueses. Os primeiros cediam suas terras e recebiam em troca espelhos, apitos e chocalhos.
No mencionado Encontro Econômico Brasil-Alemanha, em Colônia, os brasileiros descobriram, constrangidos, que os anfitriões estavam promovendo, como atividade beneficente, a venda de pedaços da rede usada no jogo em que a Alemanha venceu o Brasil por 7 a 1, na Copa de 2014. Cada pedaço custava 71 euros.
O respeito foi para o espaço. A verdade é que o governo Temer já se desmoralizou completamente e não tem condições de negociar mais nada.
Paulo Nogueira Batista Junior é economista, foi vice-presidente do Banco dos BRICs e ex-diretor do FMI
Obs.: Artigo publicado originalmente no site da revista Carta Capital