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Que Sefaz queremos na Bahia?

Art. 37 CF/88:

XVIII – a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei.

XXII – As administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

GRUPO OCUPACIONAL FISCO, UM ORGANISMO VIVO

Falar do Grupo Ocupacional Fisco da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia não é falar de normas e dados, mas sim de algo construído por pessoas, agentes públicos em busca de melhor satisfazer, não seus próprios interesses, mas o interesse público, ou seja, o bem comum. Falar do FISCO, portanto, é falar de um organismo vivo, é contar suas próprias histórias que apontam a um processo, não linear, com avanços e recuos, e, reconhecer que todos os saberes relacionados à atividade de fiscalização tributária não nascem de uma vez e nem de uma vez por todas.

“TREM DA ALEGRIA”, PARA QUEM?

Inúmeras foram as estruturações e reestruturações na busca da melhor satisfação do interesse público que culminaram num grupo, atualmente composto por dois cargos públicos distintos, Auditores Fiscais e os Agentes de Tributos Estaduais.

Em 1966 o art. 3º da Lei 2.319 criou 20 cargos de classe singular de Auditor Fiscal a serem providos por ocupantes dos cargos de Fiscal de Rendas, Agentes Fiscais ou “por livre escolha do Governador dentre pessoas com tirocínio em serviços fazendários ou assuntos financeiros”.

LEI Nº 2.319 DE 04 DE ABRIL DE 1966

Extingue o atual regime de remuneração, institui gratificação no aumento de produtividade da arrecadação, modifica a estrutura de series de classes de funcionários da Secretaria da Fazenda, revoga vinculações salariais e dá outras providencias.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei.

Art. 1º – Fica extinto o atual regime de remuneração atribuído ao pessoal lotado na Secretaria da Fazenda.

Art. 2º – Ficam instituída as séries de classe de AGENTE FISCAL E AGENTE FISCAL AUXILIAR, com as estruturas e vencimentos constantes da tabela anexa.

Art. 3º – Ficam criados vinte (20) cargos de classe singular de Auditor Fiscal com vencimentos correspondentes a referência X, do anexo I desta Lei.

Parágrafo único – Os cargos a que se refere este artigo serão providos na proporção de setenta por cento (70%) mediante acesso, por ocupantes de cargo de Fiscal de Rendas ou de Agente Fiscal e os demais por livre escolha do Governador dentre pessoas com tirocínio em serviços fazendarios ou assuntos financeiros.

Art. 4º – Será concedida, a partir de janeiro de 1967, aos funcionários da Secretaria da Fazenda que exerçam atividade fiscalizadora dos contribuintes e dentro dos limites das respectivas estruturas dos cargos de Auditor Fiscal, Fiscal de Rendas, Agente Fiscal, Agente Fiscal Auxiliar, e Guarda Fiscal, proporcionalmente a seus vencimentos uma gratificação especial de incentivo com os recursos oriundos de vinte e cinco por cento (25%) da receita tributária resultante do aumento da produtividade da arrecadação que será dividida em duodécimos e paga, mensalmente com os respectivos vencimentos. (Grifo nosso)

Àquele tempo, para o cargo de Auditor Fiscal não era exigido qualquer nível de escolaridade, situação que foi modificada 12 anos depois pela Lei 3.640/1978, que passou a exigir o concurso público de provas e títulos para seu provimento, preservando, à época, a situação dos ocupantes de outrora. Importante chamar atenção para o Cargo de Agente Fiscal V, primeiro a exigir a condição de escolaridade em nível superior, no ano de 1977.

Em 1985 foi instituído o cargo de Agente de Tributos Estaduais através da lei 4.455/85, passando o Grupo Ocupacional Fisco a ser constituído por estes e Auditores Fiscais. Esta Lei, além de reestruturar os Grupos Ocupacionais Fisco e Finanças (constituído por Analistas Financeiros), criou o Grupo Ocupacional Administração, constituído por Analistas Administrativos.

Art. 1º Ficam reestruturados os Grupos Ocupacionais Fisco e Finanças e institui o Grupo Ocupacional Administração, todos integrantes do Quadro de Pessoal da Secretaria da Fazenda, que passam a ter a classificação, os vencimentos e as atribuições indicados nos Anexos I, II e III desta Lei.      

§ 1º O Grupo Ocupacional Fisco fica constituído das séries de classes de Auditor Fiscal e Agente de Tributos Estaduais.

§ 2º Os Grupos Ocupacionais Finanças e Administração são constituídos pelas séries de classes de Analista Financeiro e de Analista Administrativo, respectivamente. (Grifo nosso)

Em agosto de 1988 nova reestruturação através da Lei 4.794/1988:

GRUPO OCUPACIONAL FISCO E ORGANIZAÇÃO DA SECRETARIA DA FAZENDA

Art. 30 – O Grupo Ocupacional Fisco é constituído dos seguintes cargos:

a) AUDITOR FISCAL, de nível superior, de acordo com a classificação e as atribuições específicas, previstas respectivamente nos Anexos XXI e XXIII desta Lei, a ser provido, inicialmente, pelos atuais ocupantes dos cargos de Auditor Fiscal, mediante enquadramento direto, (VETADO).

b) ANALISTA FINANCEIRO, de nível superior, de acordo com a classificação e as atribuições específicas previstas respectivamente nos Anexos XXI e XXIII desta Lei, a ser provido, inicialmente, pelos atuais ocupantes dos cargos de Analista Administrativo e Analista Financeiro, mediante enquadramento direto, (VETADO).

c) AGENTE DE TRIBUTOS ESTADUAIS, de nível médio, de acordo com a classificação e as atribuições específicas previstas respectivamente nos Anexos XXII e XXIII desta Lei, a ser provido, inicialmente, pelos atuais ocupantes dos cargos de Agente de Tributos Estaduais, mediante enquadramento direto. (Grifo nosso)

Importante observar que Analistas, sejam eles Financeiros ou Administrativos sequer fizeram concurso público para integrarem o Grupo Fisco e foi nesse arranjo organizativo (precedente) que passaram a fazer parte.

Em agosto de 1989, já sob o escudo da Constituição Cidadã de 1988, a Lei 5.265, além de majorar a remuneração dos servidores públicos, também promoveu nova reestruturação do Grupo Ocupacional Fisco transpondo o cargo de Analista Financeiro (reunião dos antigos Analistas Financeiros do Grupo Ocupacional Finanças e Analistas Administrativos do Grupo Ocupacional Administrativo) para o cargo de Auditor Fiscal.

 Art. 3º Os artigos 30 e 31 e os anexos XII e XXIII da Lei n. 4.794, de 11 de agosto de 1988, passam a vigorar a seguinte redação:

“Art. 30 – O Grupo Ocupacional Fisco é constituído dos seguintes cargos:

I – Auditor Fiscal, de nível superior, de acordo com a classificação e as atribuições específicas previstas nos anexos XXI e XXIII desta Lei, a ser provido mediante enquadramento direto dos atuais ocupantes dos cargos de Auditor Fiscal e por transposição dos atuais cargos de Analista Financeiro;

II – Agentes de Tributos Estaduais, de nível médio, de acordo com a classificação e as atribuições específicas previstas nos anexos XXII e XXIII desta Lei, a ser provido, inicialmente, pelos atuais ocupantes do cargo de Agente de Tributos Estaduais, mediante enquadramento direto. (Grifo nosso)

Essa épica história da composição do Grupo Ocupacional Fisco ganhou momentos de tensão quando através do Decreto 11 de 25 de março de 1991 o Governador do Estado anulou os atos do dia 7 de fevereiro do mesmo ano, relativos às nomeações de 225 Auditores Fiscais. O concurso fora homologado em 10 de janeiro de 1987 e o Poder Público não o prorrogou dentro do prazo de dois anos, resultando em sua caducidade. Os atingidos ajuizaram ação com vistas ao retorno aos quadros da SEFAZ/BA, obtendo êxito junto ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que considerou legítima a nomeação, determinando a reintegração deles cerca de quatro anos depois. Vale lembrar que o concurso se realizou ainda sob a Constituição de 1967/69 com prazo máximo de dois anos prorrogáveis por mais dois, a critério da Administração. O primeiro biênio findou-se em fevereiro de 1989, já sob a égide da Constituição atual e somente em fevereiro de 1991 veio a Administração a instituir novo período de dois anos de eficácia do concurso e nomear centenas de candidatos aprovados. O fato é que o STF deu provimento ao Recurso Extraordinário 252086, promovido pelo Estado da Bahia (PGE), no sentido de reconhecer indevido o restabelecimento do concurso público já decaído, evidenciando que o Acórdão do TJ/BA estava em confronto com a jurisprudência do STF.

O fato é que Auditores Fiscais reintegrados, por força de decisão judicial, permanecem exercendo suas atribuições até os dias presentes, a despeito da decisão de mérito do Supremo Tribunal Federal.

MÉRITOS E DESAFIOS DA FISCALIZAÇÃO DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO

Revisitar a fiscalização tributária de anos atrás, notadamente na fiscalização de mercadorias em trânsito, é reconhecer que os Agentes de Tributos Estaduais, a quem cabia, para o Código Tributário Estadual, “arrecadar tributos estaduais” e “executar tarefas de subsídio à fiscalização”, chefiados por Auditores, de fato desempenhavam todo o procedimento de constituição de crédito tributário pelo lançamento e com este desempenho acumularam conhecimento, dinamicidade, mérito arrecadatório e resultados.

Outrora, assim como hoje, a fiscalização de mercadorias em trânsito se dava, não só nos postos ficais localizados em rodovias, aeroportos e portos, como também, por meio de unidades móveis que levavam a presença física do Estado, onde essa era inexpressiva e, muitas vezes inexistente, além dos referenciais geográficos nos mapas de então, eram as chamadas volantes. Pela própria dinâmica da atividade fiscalizadora, não era incomum que não houvesse a presença regular de Auditores Fiscais nesses locais de trabalho, sendo certo que pouco presenciavam das atividades de fiscalização. Na maioria absoluta das vezes, somente lavravam o auto de infração, a partir de precedente Termo de Apreensão, ainda em formulário preenchido à mão, no qual constava a narração dos fatos que configuravam a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, se determinava a matéria tributável, se calculava o montante do tributo devido, identificava o sujeito passivo e, propunha a aplicação da penalidade cabível. Não raro, até mesmo o imposto e a multa já estavam devidamente arrecadados por documento próprio de arrecadação (DAE) emitido pelos Agentes de Tributos Estaduais.

Ora, cabe aos Agentes de Tributos Estaduais executar todo o procedimento administrativo de verificação da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, propor a aplicação da penalidade cabível, este era, como é, a autoridade administrativa competente para constituir o crédito tributário. Isso é de uma clareza solar, sendo bastante verificar o que alude o Código Tributário Nacional em seu artigo 142.

Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.

Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional. (Grifo nosso)

Reforça-se que a presença in locu do Auditor Fiscal se prestava tão somente ao cumprimento da atribuição, antes privativa, de formalizar a sanção tributária pelo auto de infração, ou seja, preencher um formulário e, muitas vezes, apenas certificar todos os atos praticados pelo Agente de Tributos. Repise-se aqui que lançamento e auto de infração não se confundem, já que o primeiro se presta a formalizar o crédito tributário.

Nesse contexto, essa situação gerava uma disfunção burocrática com consequências à eficiência da administração tributária, uma vez que, além de sobrepor agentes públicos, o que revela ser contraproducente, bem como ofuscava todo o esforço fiscalizatório dos Agentes de Tributos Estaduais, como também pelo fato de que, para a fiscalização de trânsito, restaram designados os Auditores Fiscais que não haviam sido aproveitados em atividades de fiscalização mais complexas.

O fato é que o trabalho de fiscalização de mercadorias em trânsito envolve, além do conhecimento da legislação fiscal atualizada, sacrifícios de natureza física e social. Via de regra, essa função fiscalizadora se dá na forma de plantões ininterruptos que chegam a durar dez dias consecutivos em postos fiscais localizados em regiões limítrofes do Estado da Bahia, distantes de grandes centros, ou, em unidades móveis que circulam pelos mais distantes confins baianos, o que impõe o afastamento do convívio familiar e de obrigações sociais.

JUSTIÇA E RACIONALIDADE

O que se via, desde antes da Lei 8.210/2002, que novamente reestruturou o Grupo Ocupacional Fisco, era um processo de diminuição, da presença de Auditores Fiscais nos trabalhos de fiscalização no trânsito de mercadorias, seja por tratar-se de um contexto limitado numa posição de menor hierarquia organizacional, seja pelas condições anteriormente citadas, seja porque a legislação lhes prevê diversas outras atribuições, como por exemplo, efetuar perícias, revisões fiscais e contábeis, e; julgar, no âmbito administrativo como representantes da Fazenda Pública, processos de impugnação de lançamentos de créditos tributários. É importante observar que tais atribuições são efetuadas com pouco ou nenhum custo social/familiar.

Foi para esse contexto limitado e bem específico – na fiscalização de mercadorias em trânsito e de empresas de menor porte, optantes pelo Simples Nacional, que a lei 11.470/2009 atribuiu ao Agente de Tributos Estaduais a constituição do crédito tributário pelo lançamento.

O que faz a Lei 11.470/2009, que altera dispositivos da Lei 8.210/2002? Estabelece a justiça e adequação jurídica garantindo que, independente da nomenclatura, seja Fiscal de Renda, Fiscal de Renda Adjunto, Auditor Fiscal, Agentes de Tributos Estaduais, a atividade vinculada e obrigatória de constituição do crédito tributário pelo lançamento, deve ser de competência de quem realiza o procedimento administrativo referido no artigo 142 do Código Tributário Nacional.

Nesse sentido, a constituição de créditos tributários pelo lançamento relativos a fiscalização de mercadorias em trânsito e nos estabelecimentos de microempresas e de empresas de pequeno porte que sejam optantes pelo Simples Nacional, passou a ser atribuição legal do ATE, como se lê no Código Tributário do Estado da Bahia, aprovado pela Lei 3.956 de 1981:

Art. 107. Compete à Secretaria da Fazenda a fiscalização e arrecadação dos tributos

estaduais.

§ 1º A função fiscalizadora será exercida pelos Auditores Fiscais e pelos Agentes de Tributos Estaduais.

Nota 3: A redação atual do § 1º do art. 107 foi dada pela Lei nº 11.470, de 08/04/99, DOE de 09/04/09, efeitos a partir de 01/07/09.

Nota 2: Redação anterior dada ao § 1º do art. 107 pela Lei nº 7.438, de 18/01/99, DOE de 19/01/99, efeitos de 19/01/99 s 30/06/09:

“§ 1º A função fiscalizadora será exercida pelos Auditores Fiscais.”

Nota 1: Redação original, efeitos até 18/01/99:

“§ 1º A função fiscalizadora será exercida pelos Auditores Fiscais, Fiscais de Renda e Fiscais de Renda Adjuntos.

§ 2º Compete aos Auditores Fiscais a constituição de créditos tributários, salvo na fiscalização de mercadorias em trânsito e nos estabelecimentos de microempresas e de empresas de pequeno porte que sejam optantes pelo Simples Nacional.

Nota 3: A redação atual do § 2º do art. 107 foi dada pela Lei nº 11.470, de 08/04/99, DOE de 09/04/09, efeitos a partir de 01/07/09.

Nota 2: Redação anterior dada ao § 2º do art. 107 pela Lei nº 7.438, de 18/01/99, DOE de 19/01/99, efeitos de 19/01/99 s 30/06/09:

“§ 2º A lavratura de autos de infração para exigência de tributos, acréscimos e multas é privativa dos Auditores Fiscais.”

Nota 1: Redação original, efeitos até 18/01/99:

“§ 2º A lavratura de autos de infração, com exigência de tributo, acréscimo e multa, é privativa dos Auditores Fiscais, Fiscais de Renda e Fiscais de Renda Adjuntos.”

§ 3º Compete aos Agentes de Tributos Estaduais a constituição de créditos tributários decorrentes da fiscalização de mercadorias em trânsito e nos estabelecimentos de microempresas e empresas de pequeno porte que sejam optantes pelo Simples Nacional.

Nota 2: A redação atual do § 3º do art. 107 foi dada pela Lei nº 11.470, de 08/04/99, DOE de 09/04/09, efeitos a partir de 01/07/09.

Nota 1: Redação anterior dada ao § 3º tendo sido acrescentado ao art. 107 pela Lei nº 7.438, de 18/01/99, DOE de 19/01/99, efeitos de 19/01/99 s 30/06/09:

“§ 3º Compete aos Agentes de Tributos Estaduais a execução de tarefas de subsídio à fiscalização.” (Grifo nosso)

As notas acima são esclarecedoras e servem para iluminar, em termos históricos, as mais recentes reestruturações da função fiscalizadora da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, apontando para o fato incontestável de que os Agentes de Tributos Estaduais sempre exerceram a função fiscalizadora.

Essa Lei veio reconhecer fortalezas e potencialidades para inserir no quadro tributário baiano, com autonomia para além do fato, de direito, à época centenas de prepostos fazendários para exercer o objetivo do estado em arrecadar os impostos, para com eles prover o bem-estar da sociedade. Em outras palavras, normatizou e somou ao corpo atual da SEFAZ estes funcionários para aprimorar e fazer crescer sua capilaridade tributária.

Insiste-se que a Lei 11.470 foi antecedida por todo um processo natural de esvaziamento da participação dos Auditores dos órgãos que fiscalizavam mercadorias em trânsito e estabelecimentos de microempresas e de empresas de pequeno porte que fossem optantes pelo Simples Nacional. Por absoluta necessidade administrativa tributária, coube aos Auditores concentrar esforços em outras atribuições mais complexas e privativas do cargo, como por exemplo, exercer competências gerenciais e decisórias, coordenação de atividades fiscais e de contabilidade do Estado e realizar o lançamento por homologação de declarações de grandes contribuintes.

O período anterior à Lei 11.470 simbolizava um momento de sobreposição de Auditores Fiscais e Agentes de Tributos Estaduais. Posteriormente, a referida Lei contribui para a concretização do fortalecimento dos dois segmentos de servidores públicos que compõem o FISCO. Isso pode ser facilmente comprovado pelo incremento na arrecadação, pelo aprimoramento dos instrumentos de trabalho, bem como pela excepcional ampliação da formação tanto de Agentes de Tributos Estaduais, quanto de Auditores Fiscais.

O elevado nível de formação dos servidores do FISCO baiano é incontestável. Tudo isso serviu para aumentar o universo de conhecimento acerca dos processos de fiscalização e para criar um enorme acervo jurisprudencial junto aos órgãos de julgamento da SEFAZ.

Nesse sentido, observa-se que de 01 de julho de 2009, data em que Agentes de Tributos Estaduais passaram, efetivamente, a constituir o crédito tributário pelo lançamento, até 31 de dezembro de 2019, foram expedidos mais de 285 mil atos administrativos (autos de infração e/ou notificações), representando uma arrecadação de R$ 1,2 bilhões. Fazendo um comparativo entre o período de 2004 a 2008, com o de 2010 a 2014, houve um incremento de 109% em termos de Ações Fiscais e 136% em arrecadação, o que comprova que aquele modelo anterior que criou a figura de um Auditor Fiscal subutilizado fora superado e como resultado houve um avanço considerável e facilmente parametrizável nos processos de fiscalização tributária.

A Ação de Inconstitucionalidade, ADI 4233, em julgamento no STF, poderá significar: retrocesso na dimensão da racionalidade administrativa, com consequências às possibilidades arrecadatórias do nosso Estado; risco real de descontinuidade da cultura organizacional; desmonte de um modelo administrativo eficiente que respeita e garante as especificidades, atribuições e responsabilidades do Grupo FISCO; profusão de aposentadorias; desperdício de toda uma fortuna de saberes. Isso porque todo o trabalho de fiscalização ostensiva exige habilidades, conhecimentos, formação e capacidades muito específicas que conformam a ética do trabalho tributário.

Claro que o uso de tecnologias modernas é indispensável como instrumento de controle e prevenção, entretanto, os saberes que culminam nas autuações de maior monta não são considerados nessas ferramentas tecnológicas de rastreamento. Há que se lembrar que a maior parte das mercadorias em circulação não é destinada para o estado da Bahia que, como se sabe, é um grande corredor de passagem com quatro rodovias federais, fazendo limites com oito Estados, e, são nessas operações que se concentram o maior número e os mais graves ilícitos detectados pelos Agentes de Tributos Estaduais.

Vale salientar, que, mesmo com todo o controle exercido com a emissão dos documentos fiscais, ainda existem e continuarão a existir discrepâncias entre documentos emitidos e mercadorias efetivamente transportadas, além dos desviados dos seus destinos.

A expertize própria de quem interage cotidianamente com as operações com mercadorias em trânsito, é uma cultura criada pela prática constante de um trabalho imprevisível que tem o poder de desenvolver sólida formação com métodos peculiares que só a vivência é capaz de determinar.

É certo que todas as atividades laborativas sofrerão os impactos da automação, mas, com certeza, fiscalização em tempo real será a que menos sofrerá, uma vez que, ao contrário de todas as outras atribuições dos ocupantes do Grupo Fisco, é a menos linear, menos repetitiva, menos programável e menos parametrizável. Por tudo isso e por não serem trabalhos rotineiros e previsíveis não possa, nem poderão ser feitos por algoritmo matemático e, exatamente por isso, nunca poderão ser realizados por máquinas e programas. Talvez, por isso mesmo, nunca se renunciou à fiscalização ostensiva em portos, aeroportos e fronteiras do mundo todo. Esse tipo de fiscalização, aparentemente invisível, é nuclear, central para que as políticas da administração tributária se concretizem.

A fiscalização de operações com mercadoria em trânsito, ao contrário de todas as outras, não verifica fatos passados e, ao lidar com fatos do momento presente, de forma ostensiva e preventiva, não se sujeita a padronização. Isso abre um amplo espaço de liberdade e criatividade para o ATE, que passa a deter o conhecimento de forma pessoal, somente transmissível na prática, de forma individualizada. Uma vez detectado o ilícito, a ação tributária de repressão pelo lançamento de ofício se dá numa situação flagrante, presente, de momento, na maioria das vezes indetectável por qualquer meio de fiscalização posterior. O interesse público impõe que todo esse repertório de saberes não pode ser desperdiçado.

E não se pode falar apenas dos lançamentos de ofício, a partir de ilícitos fiscais. É a velha máxima: “se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”, isso para dizer que a mera existência da fiscalização ostensiva, devidamente capacitada por longos anos de experiência, por si só, já induz o comportamento lícito dos contribuintes. Este é o efeito psicológico da indução ao correto fazer. Isso desestimula a sonegação e provoca incremento na arrecadação espontânea em operações que envolvem antecipação parcial.

JUSTIÇA SOCIAL

O controle exercido pela Fiscalização de Mercadorias em Trânsito tem como centralidade a verificação de regularidade entre os documentos fiscais emitidos e a efetiva operação com as mercadorias. Significa dizer que esse tipo de fiscalização além de não se ater a fatos passados, não resume sua importância na repressão a ilícitos tributários, tendo em vista que, em grande medida, se presta a garantir os princípios que regem a atividade econômica, notadamente a defesa do consumidor e da livre concorrência. Explicando melhor, esse tipo de atuação da administração tributária, ao inibir a sonegação fiscal por via de fraudes indetectáveis em momento posterior, além de impedir vantagens competitivas indevidas, que comprometem o livre mercado e a arrecadação de impostos, assegura a manutenção e até mesmo a ampliação dos repasses de tributos aos municípios. Ressalta-se o fato de que a maioria das mercadorias que circulam pelas rodovias baianas têm como destinatários contribuintes de outros Estados, o que possibilita um sem número de tentativas de burlar a obrigatoriedade do pagamento de tributos, sendo a Fiscalização de Trânsito a última e única oportunidade de cobrança de tributos estaduais.

Dados apontam que somente em 2019 foram emitidas para destinatários baianos mais de 26 milhões de notas fiscais com valores que ultrapassam 165 bilhões de reais. O controle da Antecipação Tributária, que envolve os contribuintes descredenciados (355 mil) e sujeitos a cobrança do ICMS no momento das aquisições interestaduais, contribui indiretamente para o recolhimento espontâneo dos tributos, o que representou um valor em 2019 da ordem de R$ 2,6 bilhões.

Outro dado importante, quanto a fiscalização ostensiva, diz respeito à arrecadação espontânea da partilha do ICMS-DIFAL, cujo controle é exercido no âmbito da Fiscalização de Mercadorias em Trânsito. Pelo fato de os remetentes das mercadorias, responsáveis tributários, não se localizarem neste Estado da Bahia, e, por força disso não estarem sujeito à fiscalização por homologação, o momento da circulação se torna como único meio para a verificação da regularidade do pagamento do imposto, já que os destinatários baianos, como consumidores finais, não estão sujeitos ao pagamento do imposto. No período de 2016 a 2020, a arrecadação relativa ao ICMS-DIFAL ultrapassou os R$ 700 milhões.

Outra questão a ser observada é que a perda da atribuição de constituição de crédito por parte de 758 Agentes de Tributos poderá impactar sobremaneira a arrecadação nas empresas optantes pelo Simples Nacional (Microempresa, Empresa de Pequeno Porte/EPP e MEI), que representam cerca de 460 mil contribuintes. Para se ter uma ideia de sua importância, o crédito total reclamado após a Lei 11.470/2009 foi de R$ 860 milhões, recursos que seriam perdidos se não fosse o trabalho hoje desempenhado pelo ATE após a mudança da legislação.

Nesse contexto, é imprescindível considerar que a fiscalização de estabelecimentos de microempresas e de empresas de pequeno porte que sejam optantes pelo Simples Nacional, âmbito de atuação de atribuições de ATE, não se limita a responsabilidade de arrecadação, combate às práticas fraudulentas mas, destacadamente a preservação/execução do caráter de benefício fiscal constitutivo para a criação e relevância do Simples Nacional, regime tributário simplificado que tem como principal objetivo atender ao Princípio  Constitucional da Atividade Econômica, do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, previsto no art. 170, inciso IX da Constituição Federal. Esse tratamento diferenciado é um incentivo que visa beneficiar as microempresas e empresas de pequeno porte a fim de realizar a Ordem Econômica que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170 da CF/88). Realizar esse objetivo constitucional é indispensável para construir uma sociedade livre, justa e solidária e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Dessa forma o Simples Nacional marca a transformação de uma igualdade de oportunidades como valor central, no lugar da igualdade substantiva, antes privilegiada. A simples descontinuidade nas atribuições dos Agentes de Tributos já aponta para um refluxo na realização de políticas governamentais de enfrentamento dos padrões históricos de opressão social, ficando aqui duas ponderações importantes: quanto de desigualdade a democracia aguenta? Quanto de democracia a desigualdade aguenta?

Esses números não são conquistas dos Agentes de Tributos, mas, de toda a população baiana. Aliás, toda e qualquer conquista de agentes públicos, não importando o cargo ou a função que eventualmente ocupem, são do conjunto da sociedade, na busca da realização do bem comum. Seus atos não lhe pertencem, já que não atuam em nome próprio, e não servem a promoção pessoal.

A QUEM INTERESSA UMA SEFAZ COMO VETOR DE REPRODUÇÃO DE DESIGUALDADES?

Infelizmente a má vontade de um segmento da SEFAZ, numa atuação repulsiva, vem engendrando uma luta, nada republicana, pela manutenção de privilégios no interior da administração tributária. Apostam no retrocesso a partir do fortalecimento de discursos em favor de hierarquias, pretensamente baseadas numa visão distorcida de meritocracia, vistas como reflexos de uma ordem superior que não pode ser desafiada. Para isso, não medem esforços no sentido de desinformar a sociedade, criando um ambiente institucional hostil ao bem público. Esse comportamento, a partir da divulgação de informações falsas que associam a reestruturação do FISCO a um “trem da alegria”, contrapõe os Princípios Democráticos e Republicanos, que exigem informação e transparência.

Esse segmento que diz lutar contra o “trem da alegria” (fantasiosa transposição de Agentes de Tributos Estaduais para o cargo de Auditor Fiscal) falseia os principais eixos de conflitos. A disputa política, em que projetos de sociedade se enfrentam, é substituída pelo combate entre o bem e o mal, de uma maneira que não permite ambivalências e contradições. Afinal, quem pode ser a favor a “trens da alegria” no Serviço Público? É tentador para esse grupo, mesmo de forma caricata, se apresentar como porta-voz da moralidade pública com esse discurso falso que distorce a realidade e, exatamente por isso, na tentativa de buscar simpatia e adesão.

Mas essa pretensão não se sustenta frente ao fato de que não há qualquer transposição já que as leis 8.210/2002 e 11.470/2009 apenas modificaram o nível de escolaridade e ampliaram as atribuições e responsabilidades do cargo de Agentes de Tributos Estaduais, sem qualquer transposição.  As competências, as atribuições e o conteúdo ocupacional do cargo de Agente de Tributos Estaduais, materialmente, permaneceram iguais ao que eram anteriormente à Lei 11.470/2009. Não houve alteração na remuneração do cargo, muito menos transformação de cargo, transposição de cargo, transferência de um cargo para outro, aproveitamento, ascensão funcional ou qualquer outra modalidade de provimento derivado que se possa imaginar, vedada pela Constituição Federal.

A imprecisão normativa anterior, que, aliás, permitiu que quase uma centena de Agentes de Tributos Estaduais conquistassem na Justiça transposição para o cargo de Auditor Fiscal por apostilamento, causava a interpenetração de atribuições e serviu para justificar que o Estado da Bahia buscasse a racionalização, como fez historicamente, da atuação da Administração Tributária editando as duas leis, aqui referidas, para mais e melhor atender ao interesse público.

Esse segmento não se interessa, nem nunca se interessou pela fiscalização de mercadorias em trânsito, seja porque não estão acostumados com o cotidiano desse tipo de fiscalização, ou, porque entendem estar ela situada numa menor hierarquia organizacional, significando dizer, que não se importam com indesejável perda de receitas provenientes do ICMS, nem muito menos, com o fato de que o não pagamento de tributos confere grande vantagem competitiva no mercado às empresas inadimplentes, afetando, por óbvio, o livre mercado e promovendo concorrência desleal, e, porque não dizer, comprometendo a arrecadação tributária.

MOMENTO DE DEFINIÇÃO

Por tudo, se faz imperioso que todos os esforços apontem para uma solução que vá ao encontro dos anseios da sociedade, que poderá ser diretamente prejudicada por um possível e indesejável esvaziamento do quadro de Agentes de Tributos Estaduais. Tal solução passa pelo restabelecimento da verdade histórica, que aponta para um processo continuado de estruturação e reestruturação dos cargos que atuam na função fiscalizadora da SEFAZ/BA, e, pelo reconhecendo da essencialidade e indispensabilidade da atuação do Agente de Tributos Estaduais no âmbito da administração tributária. Passa ainda, pela admissão da necessidade de restauração do ambiente civilizado e ético de trabalho no âmbito do Grupo Ocupacional Fisco voltado exclusivamente para a satisfação do interesse público e não para duvidosos e nada republicanos interesses corporativos.

É, portanto, o momento de definição de qual SEFAZ é desejada, uma orgânica, democrática, republicana que visa a satisfação do interesse público em cumprimento ao imperativo constitucional da construção uma sociedade livre, justa e solidária, ou, outra, indesejável, que opere como instrumento de reprodução de desigualdades na condição de órgão à serviço de uma pequena casta de servidores entrincheirados em interesses exclusivistas, ególatras e de promoção pessoal.

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1.  Agente de Tributos Estaduais desde 04 de fevereiro de 1991, lotado na Inspetoria de Fiscalização de Mercadorias em Trânsito da Região Sul da Bahia. Graduado em Ciências Contábeis e Direito. Professor Universitário Especialista, Autor e Pesquisador em Direito Constitucional e Direitos Humanos. E-mail: fbarbosassa@gmail.com.

2. Agente de Tributos Estaduais aposentado. Bel. Turismo, Pós-graduado em Direito Tributário e Turismo. Cursos na área de Logística e Transportes, Química. Professor Universitário.

STF dá provimento a Recurso contra reintegração de servidores do fisco baiano. Disponível em www.stf.jus.br.

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