O Prêmio Nobel da Paz, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, esteve com Luis Inácio Lula da Silva na cela onde está preso, na sede da Polícia Federal em Curitiba. Descreveu assim o local: uma cela pequena. Tem uma cama encostada na parede, uma esteira eletrônica, alguns livros, um televisor, uma mesinha, um banheiro também pequeno, e nada mais. Também tem uma janela, mas não vi nada por ali.
Para o MPF, a Polícia Federal e o (com) STF (com tudo), Lula é um bandido muito perigoso. Para o juiz Sérgio Moro (que ultimamente responde mais como um dirigente do PSDB que como magistrado), é um risco à sociedade. Segundo o Prêmio Nobel, para visitá-lo, foi revistado e passou por um detector de metais e, escoltado por policiais, foi ao encontro do ex-presidente (bandido muito perigoso), subindo pelo elevador até o terceiro andar, passando por um corredor e por uma porta vigiada por dois policiais.
Um dos líderes do movimento internacional pela liberdade de Lula, Adoldo Perez Esquivel concedeu esta entrevista ao Jornal Página/12, da Argentina, que reproduzimos no site do Sindsefaz.
Página/12: Como você o viu na prisão? Em que condições (Lula) estava?
Adolfo Pérez Esquivel: Entrei e nos abraçamos. O encontrei bem fisicamente, mas não deixa de ser uma situação de isolamento, apesar das poucas visitas que pode receber. Não permitem a ele receber visitas da imprensa, não permitem a ele se comunicar com o exterior. Não tem direitos políticos, está bloqueado. Lula é consciente de tudo e sabe que isso é uma luta e que agora estamos em resistência. Agora, ele está lá dentro e nós aqui fora, embora também estejamos um pouco lá dentro com ele. Em casa visita, nós tentamos passar a ele a mensagem de que não está sozinho, dizemos que tem gente em todos os lugares do mundo apoiando a sua liberdade. Também o vi muito lúcido politicamente, sabe que seu caso não é um fato isolado. No cárcere, ele aproveita para ler muito, livros que os filhos e amigos levam a ele.
Página/12: Qual é a principal preocupação que Lula transmitiu?
Pérez Esquivel: Está muito preocupado pelo aumento da repressão e das mortes, fundamentalmente pelo acionar do Exército nas ruas do Rio de Janeiro. Está preocupado também porque houve ameaças de generais brasileiros, que afirmaram que se Lula for libertado, eles estão dispostos a dar um novo golpe de Estado. Os poderes da direita estão tentando bloquear qualquer possibilidade de que Lula volte ao poder. Também mostrou sua preocupação pelo iminente perigo da recolonização que está sendo impulsada em nossos países, com as políticas neoliberais como, por exemplo, a proposta de Temer de privatizar a Petrobras.
Página/12: Você visitou Lula no mesmo dia em que ele se encontrou com seu provável substituto, Fernando Haddad.
Pérez Esquivel: Haddad chegou meia hora depois, estivemos algum tempo juntos, e depois que nós saímos ele ficou para conversar pessoalmente com Lula. Enquanto eu estive com os dois, eles falaram sobre a questão partidária e sobre como estava a organização. Agora, estão esperando que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se manifeste sobre a inscrição da candidatura de Lula. Entretanto, muitos brasileiros dizem que se Lula não pode ser candidato, a eleição deveria ser considerada uma fraude. Por isso, Lula e Haddad estão pensando em alternativas. Ademais, eles sabem bem como é o panorama. Embora exista uma resolução das Nações Unidas que exige o respeito aos direitos políticos de Lula, sabem que a procuradora geral (Raquel Dodge) não a reconhecerá e seguirá perseguindo o ex-presidente.
Página/12: Lula fez alguma menção sobre o que acontece no resto da região?
Pérez Esquivel: Sim, alertou sobre o cuidado que se deve ter, porque isto é uma política continental, com a cumplicidade dos grandes meios de comunicação. Está muito preocupado. A mesma metodologia aplicada contra ele está sendo usada agora contra Cristina (Kirchner). O juiz Claudio Bonadío é o Sérgio Moro argentino. Podemos ver (essa metodologia) no caso de Cristina, no caso de Correa ou no que acontece na Venezuela. Nos golpes de Estado em Honduras e no Paraguai. O Brasil tem um governo que impôs um Estado de exceção, onde os direitos constitucionais e democráticos não são respeitados.
Página/12: O que ele disse sobre a visita de James Mattis (secretário de Defesa dos Estados Unidos) à região?
Pérez Esquivel: Disse que é uma vergonha que este personagem venha ao Brasil para impor suas condições. E disse que sua chegada, justo neste momento, não é uma casualidade. Eu acrescento ainda que o império estadunidense nunca aceitou a nossa primavera latino-americana. Parece que se manteve quieto, mas passou esses últimos anos maquinando, e começou a reagir a partir das experiências piloto em Honduras e no Paraguai, para neutralizar e destruir os movimentos populares. Porque, para eles, a América Latina sempre foi uma reserva de bens e recursos.
Página/12: Como foi o seu encontro com a presidenta do Supremo Tribunal Federal do Brasil, Cármen Lúcia?
Pérez Esquivel: Em primeiro lugar, eu disse que Lula é um preso político e que é inocente. Depois, disse que a causa pela qual Lula está preso é parte de uma ação para impedir que ele seja candidato à Presidência do Brasil, porque se ele chegar à Presidência, muda o panorama latino-americano. Diante disso, ela me disse que não irá decidir nada sozinha, que a decisão é do conjunto dos juízes, mas que, no entanto, vai transmitir a eles o que dissemos. Eu insisti muito sobre a questão da prisão política de Lula e sobre sua inocência, e pedi respeitosamente que, por favor, revejam isso. Também foi o que transmiti depois a Lula, e ele me respondeu que “agora eu estou aqui como um cachorro. Quando um cachorro está livre ele pode correr, mas eu aqui não posso, porque me trombo com estas quatro paredes e não posso sair”.
Página/12: Como Lula recebeu o livro dedicado que o Papa lhe enviou?
Pérez Esquivel: Foi entregue pelo (Celso) Amorim, e ao recebê-lo, Lula se emocionou muito e disse “obrigado Celso, quando sair, mostre às pessoas, porque se o deixamos aqui ninguém vai saber”.