Veja entrevista de Cláudio Meirelles publicada no site Bahia Notícias
Cláudio Meirelles
por Luana Ribeiro / Ailma Teixeira
Como parte do calendário de mobilização da categoria, os servidores da Secretaria da Fazenda (Sefaz) paralisaram as atividades nos SACs de Salvador e Região Metropolitana (RMS) na última quarta-feira (18). O movimento teve início nos dias 2 e 3 de outubro nas regiões Sul, Extremo Sul, Sudoeste e Oeste da Bahia. Na semana seguinte, se estendeu para a região Norte e, na sequência chegou à capital baiana e RMS. Diretor de organização sindical do Sindicato dos Servidores da Fazenda do Estado da Bahia (SindSefaz), Cláudio Meirelles afirma que o principal pleito é a realização de concurso público, já que a idade média dos funcionários da pasta é de 58 anos. "Isso é impensável em qualquer organização", critica o sindicalista em entrevista ao Bahia Notícias. Ademais, os servidores protestam contra a obsolescência das ferramentas de trabalho, a falta de renovação nos procedimentos de fiscalização e pedem a atualização da gratificação dos técnicos, cujos salários não têm recebido reajuste. "Nós já vamos pra o terceiro ano sem reajuste, isso significa que os nossos salários estão defasados em torno de 25%. Pra um profissional que vive do seu trabalho, isso é uma perda significativa. Além disso, alguns dos nossos técnicos, dos nossos agentes de tributo, perderam efetivamente remuneração no ano passado por conta de uma meta superavaliada", ressalta Meirelles. Com o avanço das mobilizações, a categoria não descarta a possibilidade de entrar em greve. Mas os servidores ainda tentam negociar com a secretaria, sem sucesso. De acordo com Meirelles, o titular da pasta, Manoel Vitório, não se dispõe a encontrar uma solução. "Nós não temos uma interlocução efetiva com a Sefaz. Embora o secretário tenha alegado que nos recebeu algumas vezes, isso demonstra até a má vontade dele porque ele contou nos dedos quantas vezes que nos recebeu. Efetivamente, nada foi produzido nesses encontros. O que nós queremos é uma negociação com resultado, com efetividade e não uma conversa sem resultado", critica. Enquanto governo e servidores não encontram uma definição, foi agendada uma assembleia geral para a próxima quinta-feira (26). O encontro, que será realizado na sede da Sefaz, no Centro Administrativo da Bahia (CAB), vai discutir a criação do Fundo de Greve.
Então, em relação a essa mobilização que está acontecendo recentemente, quais são as principais reivindicações? Como está sendo o diálogo com a Sefaz nesse sentido?
Nós decidimos realizar a mobilização pro etapas, primeiro na região Sul e Sudoeste, depois na região que abrange o Norte e o Nordeste na Bahia e nesta semana que findou ontem [dia 18 de outubro] aqui na região metropolitana. A intenção com essa partição da mobilização é dar tempo ao governo, sensibilizar o governo pra que ele se reunisse conosco. Nós não temos uma interlocução efetiva com a Sefaz. Embora o secretário tenha alegado que nos recebeu algumas vezes, isso demonstra até a má vontade dele porque ele contou nos dedos quantas vezes que nos recebeu. Efetivamente, nada foi produzido nesses encontros. O que nós queremos é uma negociação com resultado, com efetividade e não uma conversa sem resultado. A principal das nossas reivindicações não é corporativa, é o concurso público. Nosso problema lá na Sefaz é um envelhecimento da equipe. Pra você ter uma ideia, a idade média da Fazenda é 58 anos, isso é impensável em qualquer organização. Que não haja planejamento pra renovação do quadro! Nossa principal bandeira não quer dizer que o governo, que o estado vá gastar mais conosco, que implique em aumento de salários. É o concurso público pra trazer novos profissionais pra Fazenda, pra renovar esse quadro e dar uma chance também a garotada que está aí desempregada, sem alternativa, sem possibilidade de emprego. Além da questão do concurso, tem uma atualização de uma gratificação dos técnicos administrativos, que o principal intuito de atualizar essa gratificação é reter esses profissionais na Fazenda, como eles já têm idade e tempo pra se aposentar, nós acreditamos que se eles se aposentassem o prejuízo seria grande pra o estado, então é um pequeno retorno financeiro pra que eles continuassem a trabalhar na Fazenda. Dentro da pauta também tem a readequação da Fazenda. A Sefaz hoje vive um processo de decadência, de obsolescência das suas instalações. Podemos dizer que há quase um sucateamento. Nós corremos os postos fiscais, as instalações e o que se vê são unidades obsoletas, a tecnologia deixa muito a desejar, nós não temos uma ferramenta de trabalho. A Sefaz firmou um contrato com o Banco Mundial, quase R$ 160 milhões de reais, já gastou grande parte disso e até hoje não tem uma ferramenta de trabalho, não tem um aplicativo de tecnologia que os fiscais, os auditores e os agentes de tributo possam utilizar. Então, nossas bandeiras, nossas pautas têm um interesse maior pra fora que pra dentro da organização.
Foto: Divulgação
Mas existe alguma reivindicação referente a base salarial? Diante dos anos que já se passaram sem um reajuste efetivo.
Essa reivindicação é encampada pela Fetrab, que é a Federação dos Trabalhadores. Pra você ter uma ideia, nós já vamos pra o terceiro ano sem reajuste, isso significa que os nossos salários estão defasados em torno de 25%. Pra um profissional que vive do seu trabalho, isso é uma perda significativa. Além disso, alguns dos nossos técnicos, dos nossos agentes de tributo, perderam efetivamente remuneração no ano passado por conta de uma meta superavaliada. Como parte da nossa remuneração é variável, depende do atingimento de metas, de arrecadação e a Sefaz estabeleceu pra o ano de 2016 uma meta acima do possível, eles tiveram prejuízo.
Qual é a meta que foi estabelecida e quantas pessoas foram afetadas com isso?
Em torno de mil perderam remuneração efetivamente.
E a meta seria de?
É porque além da inflação, o governo projetou um crescimento da economia que não houve. Ano passado foi um ano de recessão e a recessão foi bem maior do que se previa no início. Mas nós continuamos aí, dia 26 vamos ter uma outra assembleia geral pra tentar com isso sensibilizar o governo a que volte a negociar conosco. É a busca pela possibilidade de negociar, não nos deixamos levar pelo radicalismo.
Quantas pessoas estão previstas pra se aposentar em breve? Já existe algum déficit no quadro?
Metade do nosso quadro já poderia se aposentar agora. O outro restante em quatro ou cinco anos já reúne condições de se aposentar. Pra um dos cargos da Sefaz, que é o agente de tributos, o último concurso tem 30 anos. Isso aí é inimaginável em qualquer organização que não tenha havido um planejamento de como substituir, de como potencializar o ingressos de novos profissionais, de como aproveitar essa geração mais nova, com uma habilidade maior com informática. E sem esse planejamento há o risco de perder todo o conhecimento implícito na execução das atividades. A Sefaz não nos mostra possível a realização do concurso. Nós preparamos um memorial detalhando essa necessidade, mas até agora o secretário não sinalizou nada quanto a isso. Nós soubemos, a mídia anunciou agora que vai ter concurso pra professor, quase três mil ou quatro mil profissionais. A Polícia Militar volta e meio tem concurso, mas a Sefaz guarda essa lacuna, essa carência.
Tem uma estimativa de quantas vagas seriam necessárias nesse concurso pra poder fazer essa reposição?
Nós acreditamos que só no fisco, porque a Sefaz se compõe em dois grupos, um fisco e um grupo administrativo, nós acreditamos que mais de 250 profissionais deverão ser chamados agora. Além disso, alguns cargos não foram preenchidos e guardada as proporções do que está aí hoje, seriam quase 800 profissionais.
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
O senhor falou também sobre a estrutura que é obsoleta, que tem uma defasagem, e desse contrato de quase R$ 160 milhões. Os servidores têm uma ideia do quanto já foi cumprido desse contrato e o que é que falta em termos de equipamento, de sistemas pra atuação?
Nós acreditamos que esse dinheiro foi investido em equipamentos de grande porte, mas que a Fazenda não utilizou pra fazer uma reengenharia lá dentro, pra mudar procedimentos, pra mudar rotinas e continua fiscalizado como se fosse no século passado, apenas com a utilização de tecnologia, de informática, de computadores, mas a rotina continua a mesma do passado. E hoje a tecnologia permite fazer batimento de dados, cruzamento, a nota eletrônica permite que se faça o controle mais detalhado e com isso se poderia redesenhar todos os processos da Sefaz. Redesenhando se acredita que a arrecadação seria maior. Com mais dinheiro arrecadado, o Estado poderia implementar políticas públicas na área da educação, da saúde, o governo guarda tantas necessidades aí. Nós fizemos já proposições pra Sefaz há dois ou três anos, mas não recebemos nenhum retorno do secretário quanto à viabilidade dessas medidas.
Uma das propostas foi uma mudança na forma de arrecadação. Como seria essa alteração?
O que nós propomos é readequar o processo de fiscalização como um todo. Utilizar esses recursos tecnológicos que estão aí, com a possibilidade de ter um controle maior sobre as notas fiscais, sobre os cupons, sobre todos os documentos fiscais e com isso redefinir toda a sistemática que é feita hoje. Nós acreditamos que com isso o servidor fiscal possa fiscalizar um número maior de empresas e dar um retorno muito melhor pra o estado.
Isso teria a ver com a questão do Simples Nacional [modelo de regime tributário], já há uma quantidade menor de agentes pra essa quantidade de empresas?
Sim, também. Por falta de concursos, nós temos cidades, aqui na Bahia, que um agente de tributos fica encarregado de fiscalizar cinco mil empresas. Isso é humanamente impossível! Além da readequação de processos, de procedimentos, por isso se torna necessário o concurso público também.
Há uma estimativa de quanto mais se poderia arrecadar se esse plano fosse implementado pelo governo?
Nós temos uma previsão inicial. Apenas modificando o procedimento, seria em torno de R$ 1.200.000.000,00 por ano. Sim, o sindicato junto com a Fundação Getúlio Vargas analisou e propôs um procedimento de fiscalização com base em documentos eletrônicos e uma nova sistemática que importa na fiscalização em tempo real porque hoje você faz uma auditoria de fatos acontecidos até cinco anos atrás. Pra recuperar esse recurso que deveria ter sido pago há cinco anos é muito difícil, quase impossível. É por isso que tem essa montanha de crédito, inscrito em dívida ativa. Aqui na Bahia acho que são quase R$ 15 bilhões ou 16 bilhões que a Sefaz consegue recuperar muito pouco disso. Como não há uma estruturação da cobrança, volta e meia se recorre a uma anistia, que pra nós é um péssimo sinal, sinaliza e indica ao empresário que ele pode deixar de pagar imposto e aguardar uma anistia daqui a dois ou três anos. Isso desestimula quem paga o tributo em dia.
Agora mesmo vai ter uma semana de conciliação. O senhor acha então que esses Refis, essas conciliações com desconto… Isso não cria uma sensação de que se pode rolar a dívida, estender a dívida mais pra frente?
No nosso meio se diz que reduz o risco subjetivo da sonegação. Mesmo o infrator sendo apanhado em alguns crime de sonegação, pra ele surge a oportunidade quitar esse débito com uma anistia, com redução de multa, então, sonegar passa a valer a pena com o risco reduzido.
Mas esses programas não ajudam de alguma forma… A recuperação compensa?
Eles são implementados porque a cobrança não funciona, se funcionasse efetivamente e se a fiscalização fosse mais próxima de um fato ocorrido e não cinco anos depois, não geraria tal volume de crédito incobrável. Se fosse uma empresa particular seria impensável acumular R$ 15 bilhões sem cobrar. É o dinheiro que faz falta pra saúde, educação.
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias
Ao longo da manifestação de vocês, percebo que têm sinalizado o fechamento desses postos no Estado. Como isso impacta no serviço?
Não há nada definitivo por parte do governo, há apenas rumores. Alguns postos já foram fechados, mas dos que estão hoje, a Sefaz não anuncia publicamente que fechará, apenas rumores. Nós acreditamos que seja alimentado lá dentro, uma espécie de barulho de ensaio. Ao se fechar esses postos sem ter nada pra substituí-los, indica que a sonegação aumentará porque a Bahia faz limite com oito ou nove estados, é um corredor de passagem e se não há um controle da entrada e saída dessas mercadorias, a tendência é que elas fiquem aqui e com isso haja uma competição desleal pra o empresário. Nós acreditamos que essa não seja a melhor política pra o governo agora. Os postos fiscais estão muito sucateados, as condições de trabalho lá são péssimas, não houve nenhuma renovação nos últimos anos e não há qualquer sinalização de que haja mudança. Se começou a construir um posto fiscal em Barreiras, na verdade ele é mais embaixo, próximo a Goiás, que é uma região pujante, mas até hoje, passados dois, três anos, não foi ainda oficialmente inaugurado. Nós entramos com uma reclamação no Ministério Público do Trabalho porque antes do posto, os funcionários trabalhavam no contêiner em situação muito precária, então o Ministério Público obrigou a Sefaz a fazer algumas reformas nesse posto pra eu elas se tonasse um local possível de trabalhar. Como não há esse controle ainda da região, uma parte da soja da Bahia sai como se fosse de Barreiras, então os tributos que deveriam ser pagos a Bahia, ficam em Brasília. A Bahia com isso acaba perdendo recurso.
Esses rumores dão conta de que quantos postes seriam fechados?
Há uma conversa de que fechariam quase todos.
São quantos?
Nós temos em torno de 13 postos hoje, mas dois já foram fechados, em Feira e Botirama.
É uma coisa que circula nos bastidores, mas se fala porque isso aconteceria?
Tem que ser uma administração tributária eficaz porque ela tem que seus controles físicos, não somente virtuais. Se não houver esse controle fixo, há o risco da sonegação até mesmo de aumento porque com a informática se potencializa o uso desses documentos e a tramitação deles, mais rápida, mais fluida. Sem a contagem fica difícil ou quase impossível o controle.
O senhor mencionou a questão da arrecadação, da necessidade desses tributos para aplicação em outros setores finais, digamos assim. Como o senhor avalia hoje o peso desses tributos?
Essa gestão vem se caracterizando por aumento da carga tributária. A cada ano, é uma medida que traz uma aumento desse percentual. O ICMS na Bahia era 17%, subiu pra 18%. Alguns itens como cigarros e outros produtos tiveram uma majoração muito brusca da sua carga tributária. Nós acreditamos que o ICMS, como é um imposto sobre mercadorias, a medida que vai crescendo, ele aumenta a desigualdade. Tem estudos aí que provam que depois da tributação, o índice decai, então a tributação penaliza os mais pobres. Nós achamos que o caminho pra o ICMS é uma fiscalização eficiente, não uma majoração da carga tributária, como parece costume aqui. Todo ano se aumenta o percentual da tributação sobre determinada categoria e o consumidor, em geral, é aquele mais carente de recursos.
Então, de alguma forma, esse aumento substitui a perda com a fiscalização deficitária?
Ao invés de investir na fiscalização tributária, de qualificar as pessoas que lá estão, de mudar procedimentos, de aprimorar as rotinas, se opta por simplesmente acrescer, majora a tributação. O caminho fácil, mas penaliza a população como um todo.
Voltando à mobilização, o senhor acha que caso a situação não avance, o movimento da categoria pode ficar mais sério, inclusive com possibilidade de greve?
Sim, há um indicativo disso. Nós fazemos parte de uma Federação, que reúne sindicatos de todos os estados, e no fórum social, que será aqui em Salvador, nós vamos apresentar um painel sobre a dívida ativa. O mote será que “dinheiro há, falta cobrar”. Se houvesse um processo de cobrança mais ágil, nós acreditamos que não haveria essa falta de dinheiro.