14/08/17 – Diário do Centro do Mundo
Evaristo Costa, a Globo e a reforma trabalhista: tudo a ver. Por Joaquim de Carvalho
Joaquim de Carvalho
Evaristo Costa e a foto que publicou no facebook depois que saiu da Globo: “‘Cara’ de quem sacou o FGTS, só q não”. Não mesmo. Como PJ, ele tinha esse direito.
A noticia de que o jornalista Evaristo Costa, ex-apresentador do Jornal Hoje, consultou advogados para estudar a possibilidade de acionar a Globo na Justiça pode ser o primeiro grande teste da nova legislação, que alterou profundamente as relações de trabalho no Brasil.
Depois do golpe, a lei da terceirização foi alterada, com a possibilidade de contratação irrestrita de empresas terceirizadas, inclusive para atividades que são a essência da empresa contratante. Com a reforma concluída, direitos também foram alterados.
Ele era empregado da Globo, mas recebia mediante apresentação de nota fiscal.
A empresa de Cláudio Cavalcanti só existia para que pudesse emitir nota fiscal para a emissora. Não podia prestar serviços para nenhuma outra empresa de televisão e tinha que se submeter a horários e ordens de chefia.
Era, portanto, empregado, e o contrato de pessoas jurídica, uma fraude, que prejudicava não só a ele, mas o país, já que, mantendo o empregado com contrato fictício de pessoa jurídica, a Globo pagava bem menos impostos.
Cláudio foi um dos primeiros ex-colaboradores da Globo a ter reconhecido o vínculo de trabalho com a emissora e, por conta do seu processo na justiça trabalhista, foi aberta uma ação civil pública que deu dor de cabeça para a Globo, que comprovou a prática generalizada de burla à legislação com os contratos de PJ.
Se a lei não a favorece, o que faz a Globo? Cumpre a lei? Não, ela muda a lei. Fez isso na questão da comissão das agências de publicidade, o chamado BV (Bonificação por Volume, sinônimo de propina), e fez isso também em relação à legislação trabalhista.
Desde processo de Cláudio Cavalcanti, a emissora promoveu uma intensa campanha para alterar a legislação e regularizar sua prática. Para isso, usou a sua arma mais poderosa, o departamento de jornalismo.
No início dos anos 2000, já no governo Lula, exibiu uma série de reportagens no Jornal Nacional para tentar convencer a sociedade de que a mudança na legislação, com uma terceirização mais ampla, poderia gerar mais empregos.
Uma das fontes da reportagem era o escritório de advocacia Robortella, de São Paulo, e ela omitia do público que esta era a banca de advogados que a defendia nas ações trabalhistas movidas por ex-empregados.
Os pontos principais contidos na nova lei de terceirização eram justamente os defendidos pelos advogados trabalhistas da Globo. Não é mera coincidência.
O projeto da terceirização recém provado pelo Congresso Nacional é antigo, de 1998, apresentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso —na mesma época em que a Globo teve que indenizar Cláudio Cavalcanti.
Nos quatro últimos anos de Fernando Henrique Cardoso e durante todo governo Lula e Dilma, a Globo não conseguiu alterar a lei.
O projeto ficou adormecido no Congresso até que Eduardo Cunha assumiu a presidência da Câmara, em 2015, e tirou a proposta da gaveta, no momento em que o governo de Dilma já estava muito enfraquecido.
No governo Temer, já com Cunha afastado da presidência, a tramitação foi concluída e o projeto aprovado.
Parênteses: a mulher de Cunha, Cláudia Cruz, ex-apresentadora do Jornal Hoje, foi uma das ex-funcionárias que, se sentindo lesada com o contrato de pessoa jurídica, processou a Globo, e foi indenizada.
Evaristo Costa assumiu a bancada do JH alguns anos depois da saída de Cláudia Cruz, com o mesmo modelo de contrato de Cláudia Cruz.
Ele também era pessoa jurídica, e também se submetia a um regime severo na relação com os prepostos dos patrões. Quando saiu da emissora, sua mulher publicou na rede social o desabafo de que cessava ali “o inferno”.
Numa época em que uma publicação da Abril apurava e divulgava quais eram as melhores empresas para trabalhar no Brasil, a Globo foi avaliada e não passou no teste: os funcionários não a consideravam um bom lugar para trabalhar, porque, além de burlar a legislação, não oferecia um bom ambiente de trabalho, com recompensas que nem sempre atendiam ao critério de mérito.
Mas, como tem audiência muito acima da média e uma fatia de mercado incomum num regime que, em tese, é de livre comércio, muitos querem trabalhar lá para que possam crescer profissionalmente.
“Com a liderança que tem, a Globo não precisa dar incentivo para segurar o funcionário. O subtexto é que trabalhar lá já um benefício”, disse à época um head hunter, especialista na contratação de quadros para grandes empresas.
Evaristo trabalhou a maior parte do tempo sob a vigência da lei trabalhista anterior e, portanto, tem tudo para conquistar as indenizações decorrentes dos direitos agora suprimidos — é princípio básico do direito que a lei não retroage para prejudicar. Os que entram agora é que ficarão sem os mesmos direitos.
O problema de Evaristo será encontrar colocação depois, já que o exemplo da Gobo foi seguido por todas as emissoras de TV, e a prática de fraudar a lei sob o disfarce do contrato fictício de pessoa jurídica foi usada em larga escala.
Depois que processou a Globo, Cláudio Cavalcanti não conseguiu mais emprego na TV aberta e foi para a política — candidatou-se a vereador no Rio de Janeiro e teve sucesso, com uma mensagem de defesa e proteção dos animais. Faleceu em 2013, aos 73 anos de idade, quando era titular da secretaria especial de Promoção e Defesa dos Animais da cidade do Rio de Janeiro. Aos amigos, dizia que não tinha arrependimento algum por processar a Globo.
Cláudio Cavalcanti, no papel de irmão Coragem: coragem ele teve mesmo quando processou a Globo e levou a emissora a um intenso lobby para mudar a legislação.
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O argumento de que os encargos trabalhistas no Brasil eram elevados demais é uma falácia. Fernando Henrique Cardoso, o pai do projeto da terceirização ampla, reproduziu em seu Diários da Presidência um diálogo com os presidentes de montadoras sobre o custo da mão de obra no Brasil. Eles disseram que eram menores do que em outros países. Na mesma época, a Anfavea, que reúne os fabricantes de automóveis, publicou um estudo que comparava esse custo: no Brasil, a folha de pagamento não passava de 60% do total gasto com trabalhadores na Europa.