27/06/17 – El Pais
Smartphone, uma arma de distração em massa
Capacidade de concentração fica prejudicada com tantos aplicativos que cobram atenção
É difícil manter o foco. O celular cria vício. Domesticá-lo não é simples
Henri Cartier Bresson, mestre da fotografia centrada na atenção, contempla um quadro de Goya em 1993. Martine Franck (Magnum)
Levamos a vida com uma arma de distração em massa no bolso. Com um dispositivo maravilhoso que põe o mundo ao alcance das nossas mãos, sim, com um aparelho que é a porta do conhecimento, ou pelo menos da informação. Mas, nesse objeto que transformou nossa forma de viver abrigam-se, agachados, uma série de aplicativos que cobram nossa atenção com homologáveis graus de urgência. E se eu perder algo? O medo de perder alguma coisa –em inglês, fomo (fear of missing out)– receio, às vezes angústia, que se multiplica nesses novos tempos.
Bem-vindos à era das mentes dispersas, dos cérebros que têm dificuldades em se concentrar no foco, das microconversas e da microatenção, de pessoas que em alguns momentos têm a sensação de operar como uma barata tonta no ecossistema digital (quando não, também, na vida real).
Inciso: Dispersar, segundo a Real Acadêmia Espanhola: dividir o esforço, a atenção ou a atividade, aplicando-os desordenadamente em múltiplas direções.
É isso.
Estudo aponta que quando estamos trabalhando em frente a um computador mudamos de tela, de foco de atenção, a cada 47 segundos.
Domesticar essa arma de distração em massa que cobra nossa atenção tocando, apitando, vibrando, piscando não é tarefa fácil. De um lado, estamos nós, dotados de um cérebro que é um autêntico devorador de informação, um órgão que busca constantemente novidades, estímulos, com nossa necessidade de nos sentirmos conectados. Do outro, as telas, cheias de aplicativos desenhados com todo tipo de truques para captar nossa atenção.
Foi por volta do ano de 2004 quando a professora Gloria Mark, titular do Departamento de Informática da Universidade da Califórnia Irvine, comparou nossa tendência a checar de modo compulsivo o e-mail e as redes sociais com nosso comportamento ante uma máquina caça-níqueis. Olhamos o celular porque buscamos uma gratificação. E a mera expectativa de poder obtê-la é suficiente para fazer com que voltemos o tempo todo em busca dela – recorremos ao telefone entre 80 e 110 vezes por dia, segundo estudos separados. Esse comportamento se mantém graças ao chamado reforço aleatório (Randomly Reinforced Behaviour).
Essas pílulas de informação que consumimos através do celular geram descargas de dopamina como as que o cérebro de um fumante recebe no momento em que ele acende um cigarro. Por isso voltamos com obstinação em busca de novos caramelos digitais.
“Nos centramos demais na gestão do nosso tempo e pouco na gestão da nossa atenção”, diz a especialista Linda Stone
As pesquisas realizadas por Mark, doutora em Psicologia pela Universidade de Columbia, especializada desde 2003 em estudar como as tecnologias da informação afetam a multitarefa, a atenção, o humor e o estresse, são reveladoras. Seu método consiste em estudar minuciosamente o comportamento de pequenos grupos escolhidos de pessoas para inferir nosso modus operandi. Utiliza ferramentas de precisão: sensores, contadores que medem as interações frente à tela, biossensores que medem, por exemplo, dados do ritmo cardíaco.
Com seu estudo Os neuróticos não podem se concentrar: Um estudo in situ sobre a multitarefa online no trabalho (2016), que assina ao lado de especialistas da Microsoft e do prestigiado Media Lab do Massachusetts Institute of Technology, observou que quando trabalhamos em frente ao computador mudamos de tela (ou seja, o foco de atenção) a cada 47 segundos. Foi a medida que obteve do acompanhamento a que submeteu 40 trabalhadores de grandes empresas norte-americanas. Os resultados mostraram que as pessoas muito inclinadas à multitarefa, os denominados heavy multitaskers, se demonstravam mais propensos à distração. Descobriu que quanto mais neurótica e compulsiva é uma pessoa (e quanto pior tenha dormido), menor é sua capacidade de se concentrar.
Cérebros centrados
Mentes errantes, mentes infelizes. Dizia um artigo científico da revista Science, publicado em novembro de 2010 (A wandering mind is an unhappy mind, Uma mente errante é uma mente infeliz), de Matthew A. Killingworth e David T. Gilbert. Conclusão a que se chegou após inserir um app nos celulares de 5.000 pessoas de 83 países diferentes para que respondessem perguntas sobre seus pensamentos, sentimentos e sensações em tempo real. Somos mais felizes se concentramos a atenção.
Há solução para a dispersão. Essa dificuldade de concentrar a atenção qualificada como monkey mind é reversível. O cérebro é um órgão que se adapta constantemente, que pode ser reeducado. A capacidade de se concentrar é algo que se recupera com treinamento. Existem executivos que recorrem a técnicas de desconexão digital e pagam coaches para que se encarreguem de redirecionar seus processos de atenção.
Estratégias de defesa. Colocar o celular no modo silencioso. Desativar as notificações que aparecem na tela para que os alertas não interrompam o tempo todo a tarefa que estamos fazendo. Não dormir junto com o telefone para não deitar e levantar com ele. Desligá-lo um pouco durante o fim de semana e também nas férias. São apenas algumas das medidas propostas pelos neuropsicólogos e estudiosos da atenção consultados para esta reportagem, e que eles mesmos usam para não prejudicar sua capacidade de concentração.
Em outro estudo Concentrados, despertos, mas tão distraídos: uma perspectiva temporal da multitarefa e das comunicações, realizado em 2015 mediante o acompanhamento detalhado de 32 trabalhadores, revelou que consultavam o e-mail 74 vezes por dia (em média) e entravam no Facebook uma média de 21 vezes (com um máximo de 264 visitas diárias).
“A multitarefa sempre existiu”, diz Mark em conversa por telefone a partir da Costa Oeste norte-americana. “Mas a capacidade de atenção das pessoas diminuiu. Na minha opinião, é algo que não é positivo. Sabemos que mudar o foco de atenção aumenta o estresse, e que pode ter um impacto em aspectos como a inovação e a produtividade”.
O ser-humano está desenhado para mudar sua atenção com facilidade. É algo que garante sua sobrevivência desde os primeiros dias da espécie. Houve um tempo em que os estímulos partiam da natureza, e tendiam a ser lentos. A folha que caía da árvore. O voo da mosca. Na era moderna, tudo começou a acontecer mais depressa. Na digital, tudo se acelerou.
Mas a atenção, que funciona graças à interação entre o lóbulo frontal, o parietal e o cérebro emocional, é algo dificilmente divisível. Quando parece que estamos fazendo duas coisas ao mesmo tempo é porque uma das tarefas pode ser automatizada (como, por exemplo, caminhar). Fazer duas coisas que impliquem um esforço cognitivo (como falar e escrever uma mensagem de texto) ao mesmo tempo não é possível. Na realidade, o que fazemos é mudar rapidamente o foco de uma tarefa para a outra. Assim explica o neuropsicólogo Marcos Ríos Lago, cuja pesquisa se concentra na área da atenção, das funções executivas e da velocidade de processamento.
Linda Stone, una executiva da Apple e da Microsoft, integrante do conselho do MIT Media Lab, desenvolveu no final do século passado um conceito de atenção parcial contínua. Para ela, a multitarefa consiste em fazer várias coisas ao mesmo tempo porque exigem pouca capacidade cognitiva (ordenar papeis e falar no telefone enquanto comemos um sanduíche). Atenção parcial contínua (APC), no entanto, é prestar atenção a várias fontes de informação de maneira superficial.
Stone afirma que essa conexão permanente para não perdermos nada, esse estar permanentemente conectado e em alerta, acaba cobrando a conta quando se transforma em um modo de vida. Gera estresse e compromete a capacidade de tomar decisões, de ser criativo.
A proliferação de dispositivos eletrônicos parece ter multiplicado nossa capacidade de lidar com distintos fluxos de informação em paralelo, algo para o qual parecem particularmente dotados os chamados millennials, que mamaram desde o berço do novo paradigma tecnológico. É a hiperatenção. Assim batizou Katherine Hayles em 2007. Com esse termo, a professora de literatura da Universidade de Duke, autora de Hiperatenção e Atenção Profunda: A Divisão Geracional nos Modos Cognitivos, denominava uma nova maneira de absorver o conhecimento que, afirma, obriga uma reavaliação dos métodos educativos.
Hayles se preocupa com o fato de alguns colégios norte-americanos estarem introduzindo iPads nas classes de primeiro ano do ensino fundamental, com crianças que têm apenas seis anos. “Os cérebros são muito maleáveis e isso pode afetar suas neuroestruturas”, afirma em conversa por telefone a partir de Los Angeles, na Califórnia. “Acho que o melhor é ser conservador nessas questões até que tenhamos um maior conhecimento das implicações da introdução desses sistemas, e limitar o tempo que as crianças passam na frente das telas”.
O novo cenário tecnológico está nos levando ao que o neuropsicólogo Álvaro Bilbao denomina de estilo de atenção monkey mind —o termo procede do budismo—, uma mente que pula de uma coisa para a outra, que vai e volta, que faz com que cada vez mais nos interrompamos uns aos outros pela incapacidade de manter a atenção no que o outro está nos dizendo.
“Tendemos a perder a capacidade de atenção sustentada, de concentração”, diz Bilbao, autor de Cuide do Seu Cérebro. E a atenção sustentada, a profunda, é a que dá origem a ideias inovadoras, à criatividade, como afirma Ríos Lagos. Hayles incide nessa linha de argumento: “Todas as conquistas intelectuais do século XX requereram uma atenção profunda”.
O debate em torno do impacto das novas ferramentas tecnológicas no nosso cérebro e na produtividade, não obstante, está aberto. Há especialistas, como Enrique Dans, professor de Inovação na IE Business School e autor de Tudo Vai Mudar, que nos lembram que essa hiperatenção é algo que nos torna mais eficientes. Ele nunca tem menos de 10 janelas abertas em seu computador, explica. E se considera bastante produtivo. “É uma capacidade que se desenvolve e que se treina”, afirma. Para ele, nessa história há “ganhadores e perdedores”, pessoas que se adaptam às interrupções, que se distraem mas voltam de maneira rápida ao que estavam fazendo, e pessoas que não.
Dans afirma que as notas não baixaram de nível nas engenharias, que o nível de compreensão de leitura melhorou e que os jovens que crescem com os novos dispositivos processam uma quantidade maior de informação e são mais eficientes.
Essa é a mesma longitude onde se posiciona Anna Cox, psicóloga e estudiosa da interação entre humanos e computadores que realiza estudos sobre interrupções e multitarefas. Afirma que as pessoas têm aprendido a distinguir rapidamente qual e-mail precisam responder de modo urgente e qual pode esperar. Essa professora da Universidade College of London Interactive Center (UCLIC) afirma que as distrações nem sempre são ruins.
Às vezes nós mesmos nos interrompemos porque a tarefa se tornou muito complicada e já não estamos sendo produtivos. Então passamos a algo mais fácil, que nos garanta uma recompensa mais rápida (como checar as redes sociais). Ao retornar à tarefa principal, em certas ocasiões, afirma Cox, temos mais claro o que procurávamos ou queríamos fazer. “O importante”, afirma em conversa por telefone de Londres, “é que a pessoa tome o controle da tecnologia e que não se converta em escrava dela”.
Não cair nas armadilhas que alguns aplicativos nos colocam pelo caminho não é tarefa fácil. As grandes corporações tecnológicas, seus desenvolvedores e programadores, sabem como mexer as peças para dirigir ou cobrar a nossa atenção. “É claro que usam todos os tipos de truques”, diz Gloria Mark. “São usados desde que existe a publicidade e agora se faz o mesmo na internet”. O neuropsicólogo Ríos Lago aprofunda a questão: “Conseguiram que cada interação exija pouco esforço e seja um reforço”. Por isso as curtidas do Facebook, por exemplo.
Proteger e cultivar a atenção dos seres humanos, preservar o direito das pessoas a se concentrar, é um dos desafios que agora estão sobre a mesa. O Manifesto Onlife, encarregado a um painel de especialistas pela Comissão Europeia, cobra que a atenção não seja considerada como uma mercadoria.
“Acho que no futuro aqueles de nós que saibam cultivar ferramentas para se concentrar desfrutarão de uma maior qualidade de vida”, afirma em conversa por telefone de Boston a especialista Linda Stone. “Bill Gates, Jeff Bezos e muitos outros líderes da era digital falam que é importante cultivar a capacidade de usar bem a atenção. Nos centramos demais na gestão do nosso tempo e muito pouco na gestão da nossa atenção”.
Em um mundo cada vez mais regido pelas lógicas da chamada “economia da atenção”, onde a valorização de uma grande empresa do novo ecossistema tecnológico está ligada à sua capacidade de atrair olhos e interações, necessitamos de uma tecnologia que esteja a serviço do ser humano, que nos permita escolher, que faça com que nossa vida seja melhor, que nos faça mais livres, e não uma que sequestre nossa atenção e que se guie pela lógica dos negócios.
Está em nossas mãos cobrar. Atentos.