O despacho publicado nesta terça (18) pelo juiz federal Sérgio Moro, que rejeitou os questionamentos da defesa de Lula em relação à sentença de 9 anos e 6 meses de prisão do ex-presidente por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, expôs uma polêmica que envolve imprensa e judiciário: é legítima a utilização de reportagens ou mesmo editoriais nas decisões de magistrados?

No caso de Lula, os advogados colocaram sob suspeita o uso por Moro de um texto publicado no dia 10 de março de 2010, no jornal O Globo, que apontava o ex-presidente como o dono de uma cobertura no Guarujá, no prédio que passara da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) para a construtora OAS. A discussão em torno de o tríplex ter sido ou não de Lula e ter sido reformado ou não pela empreiteira a pedido de sua família são pontos chave do processo, que deve ser analisado em segunda instância nos próximos meses.

A reportagem de “O Globo” falava sobre o futuro incerto, à época, para os cooperados que adquiriram cotas do imóvel, já que a obra estava parada e já apresentava problemas. O texto dizia: “é nele (prédio do Guarujá) que a família Lula da Silva deverá ocupar a cobertura triplex, com vista para o mar”.

“Dar valor probatório a tal matéria seria ‘temerário’ e ainda seria contraditório ao exposto pelo juiz”

Para a defesa do ex-presidente, “dar valor probatório a tal matéria seria ‘temerário’ e ainda seria contraditório ao exposto pelo juiz no item 136 (da sentença) de que julgaria o caso segundo leis e provas e não segundo o ‘posicionamento da imprensa a respeito do caso’”.

Moro rebateu, dizendo que a reportagem faz parte de “vários elementos probatórios, que tornam inconsistente o álibi da defesa de que qualquer discussão sobre o apartamento triplex só teria surgido em dezembro de 2013″. O magistrado ainda disse que “a matéria citada não é opinativa, mas somente informa, sem qualquer acusação ou intenção de acusar, que, já em 10/03/2010, se tinha conhecimento da relação do ex-presidente com o apartamento triplex, o que a defesa também não consegue explicar”.

Na semana passada, após a divulgação da sentença de Moro, “O Globo” publicou uma nova reportagem somente para relembrar a referência feita pelo juiz a textos publicados no jornal. A autora da reportagem de 10 de março, porém, já foi desligada da empresa, durante um dos cortes de jornalistas promovidos nos últimos anos.

A citação de “O Globo” não é um fato isolado em casos recentes de grande repercussão no país. Num contexto diferente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello citou um editorial do jornal “O Estado de São Paulo”, na decisão de 30 de junho que liberou o senador Áecio Neves para retomar suas atividades, depois de ter sido afastado, após as acusações de recebimento de propina do grupo JBS.

Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato.

“É mais que hora de a Suprema Corte restabelecer o respeito à Constituição, preservando as garantias do mandato parlamentar. Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial, que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos Três Poderes. Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe, impunemente, em suas prerrogativas”, diz o trecho do editorial intitulado “Em nome da lei, o arbítrio”, publicado pelo jornal em 15 de junho.

Defesa de Temer citou “Estadão” e “Folha”

O “Estadão” também apareceu nas páginas da defesa do presidente Michel Temer entregue no início do mês na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. A CCJ derrubou o parecer do deputado Sérgio Zveiter que pedia o prosseguimento da processo contra Temer por corrupção passiva. O tema será novamente discutido em plenário no início de agosto.

“O apoio de todos ao saneamento ético da Nação, não representa a adesão a ilegalidades, pois estas não podem ser combatidas com outras ilegalidades”, disse o trecho citado pelos advogados, como parte dos argumentos usados para criticar a utilização do instrumento da delação premiada.

No mesmo documento, a defesa do presidente citou reportagem da “Folha de São Paulo”, que encomendou laudo de um perito que diz que o áudio gravado pelo dono da JBS Joesley Batista tinha mais de 50 edições. “É como um documento impresso que tem uma rasura ou uma parte adulterada. O conjunto pode até fazer sentido, mas ele facilmente seria rejeitado como prova”, diz o trecho da matéria citado na defesa de Temer.

O autor do laudo utilizado pela “Folha”, Rodrigo Caires, acabou sendo alvo de uma reportagem do concorrente “O Globo”, afirmando que o profissional teria usado um equipamento amador para realizar o estudo. No fim de junho, um relatório da Polícia Federal constatou que o áudio gravado por Joesley não tinha edições.