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JORNAL GGN – Temer e Lava Jato querem livrar bancos da Operação

13/07/17 – GGN
Subprocuradora critica exclusão do MP de acordos de leniência com bancos

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Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Da Agência Pública

Governo tem pressa em fechar acordos com bancos sem comunicar crimes ao MP, diz subprocuradora da República

Em entrevista à Pública, Luiza Frischeisen critica exclusão do Ministério Público dos acordos de leniência no sistema financeiro e protesta contra a regulamentação do tema por medida provisória

por Ciro Barros

No início do mês passado, o presidente Michel Temer promulgou a MP 784/2017, que mexe em um ponto sensível para a investigação de crimes financeiros. Entre várias alterações, a medida provisória regulamentou especificamente a possibilidade de os órgãos de controle das instituições financeiras — sobretudo o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — firmarem acordos de leniência, no âmbito administrativo, com pessoas físicas e jurídicas que atuam no sistema financeiro.

Semelhante à delação premiada, o acordo de leniência é firmado entre pessoas jurídicas e a administração pública na área cível. Ele é firmado entre empresas que cometeram crimes e os confessaram à administração pública, comprometendo-se a cooperar com as investigações, em troca de atenuação das penas a que estariam sujeitas. A MP 784 trouxe a possibilidade de o Banco Central e a CVM firmarem esses acordos na área administrativa. Os termos, no entanto, geraram protestos do MPF. Em uma nota técnica, três procuradores coordenadores das câmaras de revisão do órgão atacaram duramente a medida. “A Medida Provisória 784/2017 deve ser rejeitada”, diz a nota.

Em entrevista à Pública, uma das signatárias da nota, a procuradora Luiza Frischeisen, coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR), responsável pela área criminal, classificou a MP como “inconstitucional do início ao fim”. Suas críticas se voltaram sobretudo à previsão trazida pela MP de os órgãos de controle do sistema financeiro negociarem os acordos sob sigilo, sem a participação do Ministério Público e sem a previsão expressa de informá-lo sobre os crimes encontrados. “Se eles [o Bacen e a CVM] não comunicarem o que está na área administrativa, eu não vou saber o que cabe na área penal”, analisa. “Esse tipo de delito é diferente, por exemplo, de um crime de homicídio, de um roubo, em que é mais comum você ter a situação do flagrante delito. Esse tipo de delito acontece na contabilidade de um banco, na contabilidade de uma empresa. Normalmente, o primeiro contato com esse tipo de delito é justamente dos órgãos de controle, o Banco Central e a CVM”, relata.

A suspeita sobre a MP aumenta com o contexto das investigações da Operação Lava Jato, já que o texto foi promulgado pelo Executivo às vésperas das delações do ex-ministro Antonio Palocci e do doleiro Lúcio Funaro, operador financeiro do PMDB, que devem implicar mais diretamente instituições do mercado financeiro. “A gente tem notícias de que o pano de fundo é esse. Se você pegar a questão das colaborações da Odebrecht, vai aparecer as MPs sendo negociadas”, diz, referindo-se à questão da venda de MPs, apontadas na delação da empreiteira Odebrecht. A MP 784 já é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Supremo, mas a análise do tema ficou para agosto e será relatada pelo ministro Dias Toffoli. A Comissão Mista que analisará a medida será presidida e relatada justamente por parlamentares do PSB.

Por que, para o MPF, não há a urgência exigida na Constituição para edição de uma MP a respeito de acordos de leniência com instituições financeiras?

Essa medida provisória trata de matéria penal e processual penal. Ela traz a possibilidade de as agências, o Banco Central e a CVM fazerem acordos de leniência sem enviar as peças ao Ministério Público. E a medida provisória não pode tratar de matéria penal e processual penal, isso já foi dito pelo Supremo. Medida provisória é para questões de urgência. Você estar discutindo se pode ou não fazer leniência, o que normalmente é matéria de lei, e que vai ter uma discussão enorme — já são mais de 100 emendas nessa medida provisória –, isso já diz que essa matéria não pode ser aprovada por MP, não é matéria de urgência. A medida provisória, quando voltar, vai trancar a pauta. Então, a Lei Anticorrupção [12.846/2013], que trouxe várias inovações na questão dos acordos de leniência, teve todo um trâmite e você agora votar isso em medida provisória? Medida provisória não é para isso. Além do que é inconstitucional matéria penal e processual penal em medida provisória, porque isso é reserva de lei escrita, tem que ser votada, seguir o trâmite normal, passar nas comissões.

Na nota técnica, o MPF diz que “a suposta urgência coincide indevidamente com os avanços investigativos da Operação Lava Jato”.  De que forma esse contexto influenciou o governo na edição desta MP?

A gente tem notícias de que o pano de fundo é esse. Se você pegar a questão das colaborações da Odebrecht, vão aparecer as MPs sendo negociadas.

Há também a questão das delações do doleiro Lúcio Funaro e do ex-ministro Antonio Palocci, que devem chegar mais às instituições financeiras.

Nós não sabemos o que eles vão falar, mas sabemos o que já foi dito. A gente tem que ver, as colaborações estão todas em aberto, mas uma das questões que já apareceu na Lava Jato foi com relação à edição de medidas provisórias.

Antigamente já não havia a previsão de acordo de leniência sem o Ministério Público?

A questão de ter leniência sem o Ministério Público é uma coisa. Agora, não poder informar crime ao Ministério Público é outra coisa. Há toda a previsão de poder fazer os acordos, mas o Ministério Público, pela função dele, é o titular da ação penal. Então, em havendo crime, o Ministério Público vai investigar: ele vai dizer o que é importante, o que não é crime. Mas o ente público que vê o crime tem que comunicar o Ministério Público. Isso está em todas as normas, em todos os estatutos do servidor público. Se você é um servidor público e tem ciência de um crime, você tem que informar o Ministério Público. Só ele pode dizer se aquilo é crime ou não. Se você diz que não vai fazer isso, você está tirando do Ministério Público a possibilidade de análise e conhecimento dessa situação em que, em princípio, há um ilícito. Evidentemente eu posso ficar sabendo disso de outras formas, mas o problema é que, se um órgão público faz um acordo de leniência com alguém e não mostra os documentos, especialmente ao MPF no caso de crimes contra o sistema financeiro ou mercado de capitais, com relação à CVM, como vai se saber se um crime está acontecendo? Eu posso até investigar, mas eu vou requisitar os documentos do acordo e eles não vão me mandar. Então, eles vão estar até obstruindo a investigação. Agora, se o Ministério Público participa dos acordos de colaboração, aí sim vai existir uma excludente da propositura da ação penal, que são os acordos. O que não pode é uma matéria dessa ser regida por medida provisória e ainda trazer essa previsão de que eles [o Banco Central e a CVM] não têm a obrigação de enviar informações para a área criminal.

Em uma nota sobre a MP, o Banco Central se pronunciou sobre essa questão de os acordos de leniência serem feitos sem o MPF. A nota diz: “O acordo de leniência refere-se tão somente a irregularidades administrativas das instituições financeiras e não penais, que continuarão a cargo do Ministério Público Federal (MPF)”.

Sim, mas se ele não me comunicar, como eu vou saber? Tem esse problema. Se eles não comunicarem o que está na área administrativa, eu não vou saber o que cabe na área penal. Já tem esse problema. E tem outra coisa. Esse tipo de delito é diferente, por exemplo, de um crime de homicídio, de um roubo, em que é mais comum você ter a situação do flagrante delito. Esse tipo de delito acontece na contabilidade de um banco, na contabilidade de uma empresa. Normalmente, o primeiro contato com esse tipo de delito é justamente dos órgãos de controle, o Banco Central e a CVM. É claro que podem acontecer outras situações, mas em regra quem tem esse primeiro contato são os órgãos de controle. Então, como eu vou saber se há crime se há essa previsão de sigilo dos acordos na esfera administrativa? Como eu vou saber se eles não me informarem, se está tudo sigiloso e se alija o MP do acesso ao que está sendo decidido? Só o MPF pode saber se aquilo é crime ou não.

Na nota técnica, vocês criticam duramente o artigo 12 da MP, que fala da possibilidade do Banco Central suspender os processos de punição administrativa dos crimes financeiros quando forem firmados os acordos. Qual são os principais problemas desse artigo como um todo?

O artigo 12 diz: “O Banco Central do Brasil, em juízo de conveniência e oportunidade, com vistas a atender ao interesse público, poderá deixar de instaurar ou suspender, em qualquer fase que preceda a tomada da decisão de primeira instância, o processo administrativo destinado à apuração de infração”.  Ele não pode fazer isso. Ele tem que instaurar o procedimento administrativo para apurar essas condutas. Depois, o Banco Central pode até encerrar o procedimento com um acordo. Mas como ele vai fazer um acordo se ele não fiscalizou? Então é aquele negócio. A MP flexibiliza o dever administrativo de fiscalizar e punir as instituições financeiras infratoras. Ora, se ele não fiscaliza, como ele vai ver o que está acontecendo? Ele pode, depois de fiscalizar, deixar de aplicar a pena, porque o banco pode se comprometer a pagar multa, rever esse ou aquele procedimento, adotar medidas de compliance, tal e tal. Mas é como a gente sempre fala. O acordo de leniência não é para salvar a empresa, o acordo de leniência é um começo de prova e é para a empresa dizer: “Olha, errei e vou consertar isso aqui”. Ontem mesmo, por exemplo, a AGU fez um acordo de leniência com a [empreiteira] UTC. Por quê? A UTC está pagando multa, um monte de coisa, porque ela quer participar de licitações, se não ela fica inidônea. Então, não dá para simplesmente não instaurar os procedimentos. “Juízo de conveniência e oportunidade”? Como assim? Que termos são esses?  Em outro ponto, se condiciona isso ao investigado “corrigir as irregularidades apontadas e indenizar os prejuízos, quando for o caso”. Quando que é o caso? Entendeu?

Essa definição dá um caráter discricionário a esse ponto?

Claro. E a instituição pública não pode fazer o que ela quer, ela tem que fazer o que está na lei. Não é um ente privado.

Outro ponto levantado pelo governo é que o sigilo dos acordos de leniência se justificaria pela possibilidade de risco ao sistema financeiro nacional. Como a senhora avalia esse argumento?

Sigilo é uma coisa que existe para proteger as investigações. Essa questão do risco sistêmico existe justamente quando não tem transparência. Não existe isso. Se você não tem transparência, você começa a ter boatos. Se você começa a ter boatos, aí sim você pode ter saques de depósitos, uma série de coisas. Nessa questão de risco sistêmico, eles falam quase como uma ameaça: “Olha, tem que ter sigilo porque, se não tiver, vai quebrar tudo”. Mas a regra, na administração pública, é a publicidade. Até porque as instituições financeiras todas publicam balanços. Esses balanços não vão dizer a verdade? Os bancos têm que ser auditados. Também não tem que ter auditoria? Esse argumento é falacioso. Ou então está todo mundo sabendo que está acontecendo alguma coisa. E os investidores daquele banco? Não tem direito de saber o que está acontecendo?

O MPF em nenhum momento foi convidado pelo governo a se pronunciar a respeito dessa MP?

Não. Havia uma outra discussão no Congresso a respeito desse tema [a MP 705/2015, editada pela ex-presidente Dilma Rousseff e relatada pelo deputado Paulo Teixeira (PT/SP) e também duramente criticada pelo MPF], mas aí decorreu o prazo da MP.  O Congresso estava discutindo esse tema, quando então veio essa outra medida provisória. O lugar para discutir é  o Congresso, que é o lugar para discutir. E quando você faz isso por projeto de lei tem um prazo muito maior. Estava havendo uma discussão.

O MPF pretende entrar com alguma ação judicial, algum questionamento a respeito dessa medida provisória?

Se a MP for convertida em lei, pode-se pensar em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo. Mas aí é com o procurador-geral [Rodrigo Janot]. Essa nota técnica foi uma manifestação das câmaras que tratam do tema, que são os crimes que poderiam deixar de ser comunicados ao Ministério Público em função desta MP.

A MP define também algumas penas no âmbito administrativo para as instituições financeiras…

A gente pode até admitir a questão das penas administrativas, mas também não é adequado porque MP não é para ficar botando solução. Tem soluções na área cível que são muito piores do que na área criminal. Essa matéria teria que ser tratada por lei mesmo. Ela mexe com várias leis que tratam de todo o arcabouço do sistema financeiro, sociedade de economia mista, uma série de leis.

O governo Temer vem propondo uma série de MPs, algumas delas tratadas pelo MPF como inconstitucionais. Se o governo vem reiteradamente adotando essa postura, não caberia alguma medida da parte do Ministério Público?

Aí tem que se falar com o procurador-geral. A medida provisória também pode cair ou caducar. A negociação que se tenta é no Congresso, que pode rejeitar as medidas também, fazer uma série de emendas. Então, tem essa análise do Congresso também. Talvez o procurador-geral não tenha tomado nenhuma medida porque ele está esperando essa análise dessas medidas.

Outro ponto da MP 784 atacado na nota técnica é a alteração na Lei Complementar 105/2001, que trata do sigilo nas operações entre instituições financeiras…

Aí não pode mesmo. Você não pode alterar uma lei complementar por medida provisória. Para alterar uma lei complementar, você precisa de quórum qualificado [ou seja, maioria absoluta no Congresso]. E na medida provisória você precisa de um quórum simples para aprovação. Então isso é inconstitucional.

Já estão sendo feitos acordos em conformidade com a MP, que já está em vigor?

Que eu saiba não. Ainda não foi feito nada. Até porque é uma insegurança jurídica. Quem vai querer fazer um acordo com toda essa discussão? É muito difícil. Inclusive porque essa medida provisória contraria uma série de acordos internacionais e se afasta da própria Lei Anticorrupção, que vem sendo usada nos acordos de leniência que estão sendo firmados na Lava Jato. Inclusive, a lei prevê que os acordos de leniência firmados passem pelas câmaras de coordenação e revisão do Ministério Público. Enfim, há todo um controle. Nessa MP, o Ministério Público não participa do acordo, não passa por nenhum órgão de coordenação. É realmente bastante complexo. A própria Lei Complementar 105 manda a CVM e o Banco Central informarem o Ministério Público sobre indícios de crime. Vou te falar que é inconstitucional praticamente do início ao fim, tanto é que há outros juristas dessa área de compliance que já se pronunciaram. O governo quer fazer essa coisa a toque de caixa e impedir que o Ministério Público saiba dos indícios de crime, porque um projeto de lei também tem um trâmite, vai passar pelas comissões, tudo é menos célere. Agora esse tema, pelo objeto da matéria, jamais poderia ter sido feito por medida provisória.

O governo vem noticiando também que aumentou o valor das multas impostas às instituições financeiras nessa MP. Você acha que esse aumento é uma espécie de cortina de fumaça para acobertar todas as outras medidas propostas?

Aí eu não sei. Não adianta aumentar as multas e, no todo, deixar essas alterações. “Ah, mas vai aumentar a multa.” Sim, mas não se pode fazer isso por medida provisória. Vamos discutir isso no Congresso, com todos os atores, inclusive o Ministério Público, que tem a parte penal. O Ministério Público não é contra acordos, somos superfavoráveis a mais colaborações premiadas. Agora, mesmo na reforma do Código de Processo Penal, tem acordo penal para um monte de coisa. A gente é favorável para acordos desde crimes de menor potencial ofensivo até a colaboração premiada, que está na lei do crime organizado. Mas nós temos que discutir isso, porque quem pode dizer isso no aspecto penal somos nós.

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