Boletim 2157 – Salvador, 06 de março de 2020
As mulheres conquistaram uma série de vitórias ao longo do último século, avanços civilizatórios que as permitiram poder votar e serem votadas nas eleições, ocupar espaços no mercado de trabalho, ter direitos trabalhistas específicos, aprovar uma legislação que puna a violência contra a mulher, buscar equiparação salarial com os homens, entre outras.
Esses avanços, que levaram quase um século para serem alcançados, entretanto, não fazem parte do cotidiano de boa parte das mulheres, que ainda convivem com o preconceito de gênero, manifestados em diferença salarial, violência doméstica, assédios moral e sexual nos ambientes de convivência e dificuldade de acesso aos espaços que secularmente foram reservados aos homens.
Os dados mostram isso. Segundo o Dieese, o rendimento médio das mulheres no Brasil é 22% menor que o dos homens, situação que se agrava quando analisamos quem tem nível superior, onde a diferença alcança 38%. Além do salário, o desemprego entre elas também é maior, sendo 13,1% contra 9,2% da população economicamente ativa. Para 59% delas, não há creche disponível para seus filhos e filhas de até 3 anos (abre-se aqui um parêntesis para se reconhecer que mesmo a conquista da licença-paternidade ainda não permitiu uma mudança de visão para que caiba aos homens um papel igual na criação dos filhos).
Se fizermos um corte racial, os números pioram consideravelmente. Pesquisa do IBGE mostra que as mulheres negras recebem 58,6% da remuneração das mulheres brancas. E que elas compõem 2/3 do universo de desempregadas.
Essa situação toma ares ainda mais negativos quando percebemos que não estamos somente assistindo a um processo muito lento de conquistas e consolidação de direitos. Com a ascensão de governos autoritários e de direita em muitos países, vitórias históricas das mulheres estão sendo destruídas. É o caso do Brasil, onde o próprio presidente da República agride pública e vulgarmente as mulheres, impõe medidas como cortes de programas sociais e incentiva a violência, com projetos como a liberação de armas de fogo, mesmo com estudos que mostram que a existência de armas em residências é um fator de aumento do feminicídio.
Romper barreiras
A história da luta das mulheres pela emancipação sempre foi marcada por enormes tensões. A opressão de gênero está na base de um sistema social desigual, de herança patricarcal. Por isso é difícil romper as barreiras e sempre enfrentaremos tentativas de retrocessos.
Não é mero acaso que as pastas inclusivas existentes nos governos progressistas de Lula e Dilma (e em menor escala até no de Temer) foram alocadas no Ministério da Família e Direitos Humanos, sob o comando de uma ministra ligada a grupos evangélicos radicais, em cujo seio conservador o espaço reservado à mulher é apenas de mãe e dona de casa.
E também não é sem motivo que os aparelhos ideológicos do Estado sempre foram usados para reproduzir estigmas seculares. É só observar como o sistema educacional e profissional sempre reservou aos homens os cursos e profissões ligadas às ciências econômicas, exatas e do Direito (Engenharias, Direito, Economia, Administração) e reservou às mulheres o hábito do cuidar (Magistério, Enfermagem, Serviço Social).
E mesmo em espaços onde as mulheres alcançaram seu lugar por mérito comprovado, as barreiras estão levantadas. Veja o caso da Fazenda. No Brasil, dos 27 estados da Federação, em apenas três os titulares das Secretarias são mulheres: Acre, Ceará e Goiás. A Bahia é um caso exemplar.
Nunca uma mulher ocupou a função de secretária e na atual estrutura do Gabinete da Sefaz-BA, são poucas as mulheres em funções de destaque.
Uma situação que se reproduz no próprio movimento sindical dos fazendários. Atualmente, nenhum sindicato do fisco estadual e distrital tem uma mulher ocupando o cargo de presidente ou similar. O Sindsefaz Bahia, onde uma mulher nunca ocupou a Diretoria de Organização (cargo equivalente à Presidência), é um caso único de presença de seis mulheres na diretoria. Em pleno século XXI, a presença de Marlúcia Paixão na vice-Presidência da Fenafisco, uma entidade de 40 anos, foi uma conquista pioneira das mulheres do fisco.
Ocupação de espaços
As fazendárias, que são mais de 40% do quadro do fisco, podem assumir um papel mais central e uma ocupação mais igual dos espaços nas secretarias de Fazenda e no próprio movimento sindical. Este movimento não é natural, porque historicamente os homens sempre foram educados para serem os chefes, os líderes. E da mesma forma que é difícil romper com a tradição machista secular, abrir espaço nas funções de mando exige determinação das mulheres.
Neste momento, quando o debate da Reforma Tributária ganha importância, as mulheres fazendárias, por sua competência técnica, experiência profissional e relevante conhecimento, podem jogar um papel importante, provocando a discussão e participando ativamente da luta por uma mudança solidária em nosso modelo de tributação.
Estudos feitos pela equipe que elaborou a proposta de Reforma Tributária Solidária da Fenafisco/Anfip mostra que as mulheres, mães e muitas chefes de família, fazem parte de um dos segmentos a ser mais beneficiado pelos impactos positivos de uma mudança na cobrança de impostos no Brasil, de um regime regressivo para progressivo. Seguindo o princípio dos programas de renda mínima, que colocam as mulheres no centro do sistema, a desoneração do consumo promoverá maior inclusão social, mais igualdade de renda e autonomia, preceitos fundamentais da luta de emancipação da mulher.
Neste instante, quando mais um março mulher se apresenta em um cenário de profundos retrocessos sociais e civilizatórios, é preciso compreender a importância de lutar para garantir os direitos conquistados e avançar para ocupação de novos espaços. Não é hora de baixar as bandeiras sob pena de comprometermos o futuro das novas gerações. O sonho continua vivo.
Viva o 8 de março, Dia Internacional da Mulher.