23/08/17 – Tijolaço
Para quem acredita em fadinhas do “Mundo Azul”…
Não, não é Marina Silva que, apesar de seu convívio atual com o “Mundo Azul” ainda é um espécime mantido e exibido ali com a curiosidade de um animal exótico a ser exibido.
Falo da matéria de hoje, na Folha, assinada por Thaís Bilenky, onde se narra o passeio benemerente da mulher de João Dória pelo Nordeste.
A primeira-dama do município de São Paulo, Bia Doria, “embrenhou-se na trilha do cangaço”, navegou pelo rio São Francisco, viu “senhorinhas sentadas na corda fazendo crochê”.
Na Ilha do Ferro (AL), povoado ribeirinho com tradição de artesanato, enquanto a estilista Martha Medeiros trabalhava com rendeiras, Bia se ocupou dos maridos.
“Os homens não têm profissão. Eu meio que [fiquei] direcionando, convencendo os maridos a fazerem artesanato com design, porque eles fazem um artesanato meio do jeito deles, então é um direcionamento no artesanato.”
“Lá é maravilhoso! Nós em São Paulo que estamos sofrendo. Quem vive no Nordeste é que é feliz. Tem ar puro, sol o ano inteiro, não tem que vir para São Paulo”, disse.
Não, né? Essa gente que não sabe dos brioches que come no sertão…
Mas a história foi a de conhecer um “projeto social” – nada contra, mas tão eficientes em escala quanto a “caridade” das congregações marianas dos anos 60 – que resultou numa coleção de vestidos de alto luxo desfilada ontem no não menos luxuoso Hotel Palácio Jaraguá, o primeiro SEIS estrelas de São Paulo. “inspirados” na seca nordestina e no “direcionamento” do artesanato para algo que não seja “lá do jeito deles”.
O resultado também foram as fotos da coleção da estilista, onde se pode ver as cenas “extra-terrestres” do “glamour no sertão”.
Tudo, claro, para mandar uns trocados para que se construam alguns poços artesianos em Monteiro, na Paraíba. Naquela mesma Monteiro, na Paraíba, onde os governos Lula e Dilma levaram a água transposta para fazer uma irrigação em larga escala.
Mas o “Mundo Azul” tem outros planos.
Fez uma campanha de doações no final do ano passado,que ajudou a aventura nordestina, e vendeu 13 camisetas de apenas 298 reais, 52 conjuntos com 6 taças de cristal esclusivas (sic)da marca Perrier-Jouët com gravação de flores acompanhadas de 1 garrafa Perrier-Jouët Grand-Brut por R$ 840; outros 45 conjuntos com 6 taças de cristal formato “anos 20” com gravação de flores acompanhadas de 1 garrafa Perrier-Jouët Grand-Brut, a R$ 950.
E as rendeiras? Calma, teve a venda de duas camisetas com aplicações em “renda renascença”, a módicos R$ 1.300 e um chapéu “em palha e flor em renda renascença, feita pelas rendeiras do projeto Olhar do Sertão, inspiradas nas anêmonas de Perrier-Jouët. O chapéu é assinada pela designer inglesa Flora McLean, especializada em chapéus avant-gard para passarela e membro da Royal College of Art“, por R$ 1.800 e uma camiseta da estilista de renda e seda ” inspiradas nas anêmonas de Perrier-Jouët”por nada menos que R$ 3.590!
Não há informação se foi vendido o “top” da “vaquinha” cibernética: o vestido da estilista, um “longo em renda grupire off white com aplicações de flores em renda renascença, feita pelas rendeiras do projeto Olhar do Sertão, inspirada nas anêmonas de Perrier-Jouët”.
Anêmonas, como se sabe, são um tema recorrente no folclore do sertão. Assim como os impostos, escorchantes, são a causa da miséria da gente glamurosa que leva o “ caviar lifestyle” para o semiárido miserável.
Enquanto isso, do lado sem glamour da vida, um grupo de mulheres se esforça, em outro crownfunding – bem mais modesto, a partir de R$ 10 – se esforça para lançar um livro que resgata a imagem e a biografia de “100 Mulheres Cabulosas da História”, que se destacaram não como “primeiras-damas”, mas pela sua coragem ,esforço, capacidade, talento: da cientista Marie Curie a Valentina Tereskowa, a primeira astronauta, passando por Margareth Hamilton, que desenvolveu o programa de voo usado no projeto Apollo 11, a primeira missão tripulada à Lua. Estão lá Frida Khalo, líderes quilombolas, Clarice Lispector, Elza Soares, muitas outras, revividas nas imagens por jovens de hoje, que se transmutam nas personagem para relembrar a presença de cada uma delas na vida da mulher – e na nossa, dos homens – hoje.
Um alerta: não é inspirado nas “anêmonas de Perrier-Jouët”, mas em seres humanos que, contra as dificuldades, preconceitos, segregações, ficaram na história.